sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Yale x Harvard

Quando eu visitei Princeton há dois anos, vi uma camiseta na loja da universidade escrito "Beat Harvard" (algo como "Vençam Harvard"). Fiquei curiosa e perguntei para um professor se a rivalidade entre as duas universidade era muito grande. Ele riu e disse que Princeton considera Harvard sua maior adversária, mas que, na verdade, Princeton é como um irmão mais novo, pra quem ninguém dá muita bola. Segundo esse professor, Princeton fica super feliz quando consegue ganhar um jogo, o que acontece de vez em nunca, mas ninguém liga. Para Harvard só quem importa é Yale. E, para Yale, só quem importa é Harvard.

Na época, eu não tinha condições de julgar se era exagero ou não. A resposta chegou na primeira vez em que visitei uma das lojas daqui e vi uma camiseta com os mesmo escritos desse botton:

Não vou traduzir, mas é um xingamento sem as vogais. Embaixo está escrito: "você quer comprar uma vogal?". 
Achei muito engraçado e claro que fiquei morrendo de vontade de comprar. Mas, né, não sei se pegaria muito bem. Vai que um dia o povo de Harvard está louco pra me contratar, mas acha uma foto minha no google usando algo do tipo. Não seria muito prudente... (mas que eu queria, queria)

Não bastasse essa camiseta, que é vendida por uma loja menos badalada, a Barnes and Noble, livraria que abriga a loja oficial da universidade, também faz piada com a rivalidade, mas com Yale rindo de si mesma, o que achei particularmente cômico. Nas paredes da livraria há vários quadros com charges sobre a rivalidade Harvard x Yale publicadas na revista New Yorker. A que eu mais gosto é essa aqui:

Olha, eu sei que Alan M. Dershowitz, de Harvard, já se pronunciou sobre esse assunto. Eu apenas gostaria de esperar até ouvir que alguém em Yale também falou sobre isso.
Em agosto, logo que cheguei, um amigo meu que estuda em Harvard disse que nos veríamos em novembro. Não entendi e ele explicou: "o jogo entre Harvard e Yale...eu e todos os meus amigos vamos para New Haven". E cá estamos nós em novembro, a pouco mais de uma semana do jogo, e já começaram a pipocar as histórias sobre a grande rivalidade.

De todas as que eu ouvi, a mais cômica de todas foi uma trollada sensacional que 20 alunos de Yale deram em 1800 alunos de Harvard. Foi em 2004, em um jogo de futebol americano. Os 20 Yalies vestiram camisetas de Harvard, pintaram os rostos de vermelho, se infiltraram na torcida adversária e distribuíram placas para que os torcedores formassem um mosaico. Crente de que formaria a frase "Go, Harvard", a torcida levantou alegre suas placas e o que apareceu foi:

Sendo educada, está escrito mais ou menos "nós somos uma merda" :)

A história foi notícia até na Sports Illustrated, uma das revistas de esportes mais famosas dos Estados Unidos, e ganhou site para contar o feito: http://www.harvardsucks.org/ Pra quem quiser assistir, nesse site tem um vídeo muito engraçado mostrando o making of da piada toda.

Essa é só uma entre muitas estórias, mas dizem por aí que Harvard x Yale, Yale x Harvard, é conhecido como o maior clássico entre as universidades norte-americanas. Resumindo, é Grenal (até nas cores).

Cartazes de jogos de futebol americano entre as duas universidades
No dia 23, será jogado o 130º jogo de futebol americano entre os Bulldogs (Yale) e os Crimson (Harvard). A promessa é de que a cidade vai parar.

E, em janeiro do próximo ano, a rivalidade vai extrapolar as fronteiras de New Haven e Boston e cair de paraquedas em plena Nova York, quando os times de hóquei no gelo das duas universidades vão se enfrentar em pleno Madison Square Garden. Sim, aquele lugar em que já tocaram as maiores lendas da música mundial: John, Paul, George, Ringo, Led, Elvis... E ela...


... Ivete Sangalo! rsrs


O slogan megalomaníaco do jogo, porque eu ainda to pra ver um povo mais megalomaníaco do que essa aqui, é: "A maior rivalidade das universidades da América na Arena mais famosa do mundo".


Enfim, deu pra entender, né?

Harvard sucks! Go Bulldogs! ;)

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Sobre o que faz a diferença

O Gordo, vulgo meu pai, me ensinou muitas coisas nessa vida. Algumas delas foram ensinadas há tanto tempo, e hoje já são tão naturais, que talvez eu nem saiba que foi com ele que aprendi. Então, acho que é justo dizer que não sei qual desses ensinamentos foi o mais importante. Mas eu sei de qual deles eu mais gosto.

O Gordo me ensinou que sempre que a gente admira uma pessoa, sempre que tem um elogio a fazer, sempre que tem algo de bom a dizer para alguém, a gente deve dizer.

Eu sempre lembro disso. E sempre tento colocar em prática. Algumas vezes é fácil, noutras é mais difícil. Mas uma coisa é certa: toda vez que eu tenho vontade de dizer algo legal para alguém e não o faço, fico me remoendo depois. E hoje foi um dia em que eu não podia deixar isso acontecer. Porque hoje foi um dia muito, muito especial.

Pensem em um dos maiores bambambans da área em que vocês trabalham, uma pessoa que vocês admirem muito. Pensem que os textos desse bambambam foram a porta de entrada pra vocês gostarem da área em que atuam. Agora imaginem que, graças a uma ação direta desse bambambam, que vocês nunca conheceram pessoalmente, vocês tenham conseguido alcançar algumas das maiores conquistas acadêmicas que já tiveram até então.

Pois é. Foi esse bambambam, ou melhor, ESSA bambambam que eu conheci hoje.

Quando eu resolvi mudar completamente de área no doutorado, os primeiros textos que li foram da professora Mahzarin Banaji. Fiquei encantada com os escritos dela e a admiração cresceu quando soube um pouco mais da sua história. Banaji é uma pioneira. Ela nasceu e cresceu na Índia e veio para os Estados Unidos fazer pós-graduação. Ainda na década de 80, quando não era tão comum as mulheres terem espaço na ciência, ela foi contratada para ser professora de Yale. Aqui, ela deu início a um dos maiores e mais bem sucedidos projetos do mundo no que diz respeito ao estudo de preferências implícitas (é com isso que eu trabalho). Banaji ficou em Yale até 2001, quando teve seu passe comprado por Harvard, onde está até hoje.

Só isso já seria suficiente para eu admirá-la pra caramba. Mas não foi só isso.

Há 2 anos, a UFRGS lançou a primeira missão internacional de curta duração no exterior, que é um dos projetos mais fantásticos que eu conheço. A universidade banca uma viagem de 10 dias pra qualquer lugar do mundo para que alunos de pós-graduação façam contatos com algum professor com o qual queiram desenvolver um trabalho em conjunto. É preciso ter um projeto, contatos prévios, carta de recomendação, enfim... É uma seleção rigorosa porque é claro que há muito mais alunos interessados do que bolsas disponíveis.

Quando a primeira missão foi lançada, em 2011, ninguém sabia muito bem do que se tratava. Eu li o edital e pensei: "bah, que troço mais sensacional, pena que não tenho nenhum contato". Os dias foram passando e, perto do prazo final, me caiu a ficha: "não tenho nenhum contato porque não fiz nenhum contato...dã!". Então, ainda sem saber bem o que exatamente faria no doutorado, comecei a pensar em todos os textos que havia lido nos últimos tempos. E a resposta sobre quem deveria contatar veio muito clara na minha cabeça: Mahzarin Banaji.

Mesmo sabendo que tinha pouco tempo, mesmo sabendo que seria difícil receber uma resposta de uma das professoras mais requisitadas de Harvard, mesmo sabendo que a mulher era presidente de uma das mais importantes associações de Psicologia e que deveria ser um bocado ocupada, resolvi jogar minhas fichas nela. Mandei um e-mail me apresentando, contando que tinha a oportunidade de passar uns dias com ela em Harvard e perguntando se ela tinha interesse. Confesso que não tinha maiores expectativas de receber uma resposta em tempo hábil. Mas ela veio. No mesmo dia. Na verdade, poucos minutos depois.

Não, não foi uma resposta positiva e nem sequer simpática. Não deu oi, não deu tchau, escreveu duas linhas. Ela dizia que estava em um ano sabático, mas que eu deveria tentar contato com um ex-aluno dela.

Na época eu não sabia que aquela era a melhor resposta que eu poderia ter recebido.

Fiquei bem desanimada, mas resolvi tentar e mandar o e-mail novamente, mesmo tendo praticamente certeza de que o raio não cairia duas vezes no mesmo lugar e que eu não receberia uma resposta rápida de novo. E de novo me enganei. A resposta veio no mesmo dia. E não eram duas ou três linhas, mas três parágrafos (e quem já trocou e-mails com um professor norte-americano sabe como isso é raro).

Esse foi o pontapé para uma troca de e-mails entusiasmante e, em uma semana, meu projeto de doutorado estava praticamente pronto. A coisa foi tão incrível que eu já tinha decidido viajar para Princeton com recursos próprios caso não fosse contemplada pela missão internacional. O resto da história vocês conhecem... Ganhei a missão, aproveitei a viagem para aprofundar todos os detalhes do projeto, o tal professor virou meu co-orientador e dois anos depois esse mesmo projeto me rendeu uma das mais prestigiadas bolsas de doutorado sanduíche que eu poderia conseguir.

E tudo começou com a Banaji.

Então, quando tive a oportunidade de vê-la retornar à sua antiga casa hoje, para dar uma das conferências mais importantes de Yale (em 100 anos, ela é apenas a segunda pessoa da Psicologia a ter essa honra), não consegui não pensar no meu pai. E foi com os olhos cheios d'água que, ao final da conferência, me obriguei a respirar fundo e ir agradecer por tudo que, mesmo sem saber, ela fez por mim.


E vou contar pra vocês... Apesar de ela ser conhecida como "mãe de arame" (leitores fiéis e atentos entenderão), eu não fui a única pessoa que ficou emocionada com o encontro.