Antes de vir para cá, eu imaginava encontrar uma situação parecida com a de Princeton, cidade que tem o mesmo nome da universidade que abriga e que praticamente se resume a ela. Mas New Haven não é assim tão pequena. Sim, ser a casa de Yale é o principal cartão de visitas de New Haven, mas a cidade não se limita ao campus. Cerca de 130 mil pessoas moram por aqui e apenas 11 mil delas são alunas da universidade. Esse número fica ainda mais impactante se considerarmos a zona metropolitana (a Grande New Haven), que concentra mais de 800 mil pessoas.
O que acaba acontecendo, então, é que existe uma divisão óbvia aqui na cidade: de um lado, tudo o que é ligado à universidade, do outro, todo o resto.
Ainda no Brasil, quando estava procurando lugar para morar, recebi conselhos de várias pessoas sobre os melhores locais para se viver por aqui. Me chamou atenção o fato de elas terem sido unânimes em dizer que há um linha muito bem delimitada (mesmo que imaginária) que separa os locais "seguros" dos "não tão seguros assim". Não tinha muita noção do que isso significava, mas por via das dúvidas resolvi seguir o conselho.
Chegando aqui, entendi.
Para simplificar, é como se existisse uma bolha ao redor da universidade.
É uma bolha relativamente grande, então é super possível viver apenas dentro dela. Mas toda bolha tem bordas, certo? Pois então... Ainda estou explorando tudo por aqui, mas até o momento identifiquei um local que é mais do que uma borda, é um ponto de intersecção interessantíssimo entre os dois universos de New Haven: o Green.
O Green, como o nome sugere, é verde. Rá!
Sabe aquela praça, que a gente diz que existe em todas as cidades pequenas do Brasil? Pois é, aqui também tem, só que eles chamam de "common". Em vez de ser redondo, como normalmente são as nossas praças centrais (na verdade acabei de me dar conta que não sei se a maioria delas é redonda, mas a de Pelotas é...rsrs), o Green é retangular. Ao redor dele a gente encontra uma igreja (óbvio), bancos, biblioteca, prédios da universidade, sociedades secretas e... o ponto de ônibus central da cidade.
E aí é que reside o segredo.
New Haven é uma cidade bem plana, pelo menos na zona central, então é tranquilíssimo andar de bicicleta e a pé. Além disso, para quem mora um pouco mais longe (ou só está com preguiça mesmo), a universidade oferece uma rede invejável de shuttles gratuitos (que são fantásticos, by the way, mas vou fazer um post só sobre eles mais adiante).
O que isso significa?
Significa que a maior parte da comunidade acadêmica não precisa utilizar os ônibus comuns. Normalmente, aqueles que optam por morar longe da universidade, e portanto fora da rede coberta pelos shuttles, têm carro. Logo... Os ônibus são do povão.
E o povão, nesse caso, tem um perfil que salta aos olhos de qualquer um que já tenha passado pelo Green. O povão é negro, o povão é pobre, o povão é gordo. Sim, o povão é gordo.
Quando eu visitei Princeton, fiquei totalmente sem entender de onde vinha aquela ideia de que os norte-americanos são gordos. Todas as pessoas que eu vi por lá eram atléticas e adoravam praticar exercícios físicos. Então acabei ficando com cara de...
"Ué, me enganaram?" |
Mas, e sempre tem um mas, lembrem que a cidade de Princeton se resume à universidade, o que evidentemente quer dizer que lá não existem pobres.
O mesmo princípio se aplica à bolha de New Haven: dentro da bolha é muito difícil ver algum obeso. Não que seja impossível, claro que não, mas não é algo comum. Quando se chega no Green, no entanto, difícil é encontrar alguém magro. Em uma das minhas pernadas por lá, contei 3 obesos em cadeiras de rodas. Claro que não fui perguntar por que eles estavam em cadeiras de rodas, mas desconfio seriamente que a obesidade seja a causa, e não a consequência, da falta de mobilidade.
Mas então, pra encurtar um pouco a história, que esse post já está ficando grande, três pontos sempre me fazem ficar pensando quando vou a Green:
1) Como eu sempre acabo vivendo dentro de bolhas, independente de onde estou (é assim no Brasil, foi assim em Angola e está sendo assim aqui nos Estados Unidos).
2) A força da associação entre pobreza e cor da pele, que é tão inegável aqui quanto no Brasil, e que diz muito da (falta de) igualdade de oportunidades para brancos e negros nos dois países.
3) A existência da associação entre pobreza e obesidade, que (ainda) não me chama tanta atenção no Brasil, mas que é escancarada aqui. Se por um lado essa associação é fácil de explicar, por outro, a explicação não faz nenhum sentido na minha cabeça: em New Haven são necessários em torno de 10 dólares para pagar por um almoço bom e saudável, mas com 1 dólar é possível comprar dois sanduíches no McDonalds.
Daí complica, néam...
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* A foto do green é de Michael Melford e foi retirada da Yale Alumni Magazine. A foto da bolha é de Sarai Fotography (assim, com f mesmo) e foi retirada deste flickr. O desenho do "ué, me enganaram?" é da animação Up, da Pixar.