Nunca entendi muito bem essa festa. Quando era pequena, meu curso de inglês fazia festa de Halloween e eu não conseguia captar qual era a graça. Cresci e... Continuei sem entender.
Até hoje.
Hoje é 31 de outubro. Halloween, portanto. Ou Dia das Bruxas. Ou Día de Los Muertos. Escolham.
Aqui em New Haven, o Halloween bombante acontece na minha rua. Com hora marcada. Sim, é estranho, mas tudo aqui nos Estados Unidos tem hora marcada. No caso do Halloween, das 18 às 20h.
O problema é que desde de manhã o dia estava meio estranho. Amanheceu cinza, continuou cinza, terminou cinza. Choveu de tarde. Garoou de noite. No alto da minha inocência, pensei: "putz, nada de Halloween, pobre das crianças".
Mas, por via das dúvidas, saí da universidade mais cedo, por volta de 17:45, e pedalei até em casa. E que bom que fiz isso!
Eu talvez more na parte mais legal de New Haven. Ou, ao menos, em uma das mais legais. Pois bem. Chegando perto de casa, comecei a notar uma movimentação diferente: tinha mais gente do que o normal. Mas, pensando bem, nada demais. Ao chegar na esquina de casa, notei que o movimento estava maior na quadra seguinte. Fiquei meio em dúvida, mas resolvi conferir. Conferindo, vi uma meia dúzia de crianças fantasiadas, recolhendo seus doces nas muitas casas que estão há tempos enfeitadas.
Legalzinho.
Então resolvi pedalar mais uma quadra.
E aí apareceram mais crianças. E mais casas enfeitadas. E mais pais e mães. E mais vizinhos felizes. E mais sorrisos. E aí eu fiquei patetando, olhando tudo isso e... quase provoquei um acidente (porque claro que eu não sou capaz de pedalar e olhar tanta coisa ao mesmo tempo).
Tive então uma ideia sensata e decidi deixar a bici em casa e voltar para a muvuca caminhando.
Foi a MELHOR ideia.
Fui caminhando pela rua e não sabia pra onde olhava. Por vezes, ficava abobada olhando para as crianças, radiantes em suas fantasias. Em outros momentos, fixava nos rostos felizes dos familiares que as acompanhavam. Em outros, ainda, ficava admirando as pessoas nas suas varandas ou a decoração das casas.
Vocês não têm noção. Quando eu falo em crianças, são MUITAS crianças. Dezenas e dezenas de crianças.
Fiquei olhando aquilo tudo, meio embasbacada, e, quando vi, estava com os olhos cheios de lágrimas. E eu nem estou na TPM. Mas sério!, é uma festa muito, muito bonita.
Crianças de todas as idades, mas principalmente as pequeninas, vestindo todos os tipos de fantasia, com aquela felicidade genuína que só crianças são capazes de ter. Pais! Muitos pais! (homens, porque as mães sempre participam de tudo mesmo, então não é surpresa...). Muitos pais fantasiados, dando uma força para os pequenos, como quem diz "tamo junto", e correndo atrás das suas crias.
Vi crianças vestidas de tudo quanto é tipo de coisa: vampiros, princesas, policiais, bruxas, bombeiros, tartarugas ninja (!), batman (e batwoman, que as meninas também querem ser batman), super homem, mulher maravilha, abelhas, borboletas, fantasmas, abóboras, patos, frankensteins, pânico, elefantes, ursos... Muitas, muitas fantasias! As minhas preferidas, disparado, foram as vacas! Que lindas as vacas (e vacos, que os meninos também querem ser vaca)! A menção honrosa foi para um pequeno de uns dois anos vestido com roupa de cirurgião. O pai também estava vestido de cirurgião. Lindos! Também tinha um pai, com quatro crianças (!), que estava ótimo vestido de Minion!
Abaixo, uma das vaquinhas (de costas, pra ninguém me processar) e o Minion:
Mas a melhor fantasia de pai foi de um cidadão que carregava um papelão branco atrás da cabeça. Vi o cara de costas, correndo atrás da filha, e fiquei intrigada: o que diabos o sujeito faz correndo, segurando um papelão atrás da cabeça?! O resto da roupa era normal. Então, apressei o passo e, ao ultrapassá-lo e olhar pra trás, não consegui segurar a gargalhada. Ele estava vestido de...
...
...
...
... Cesta de basquete! O cara segurava a tabela atrás da cabeça com uma mão e pendurava uma cesta no peito com a outra. Ri alto!
As casas enfeitadas eram um capítulo à parte. Uma das melhores de todas era essa aqui de baixo:
O melhor detalhe é o dinossaurinho de verde brincando com a decoração no canto direito da foto :) |
A mesma casa, por outro ângulo. Agora também com um dinossauro vermelho e uma borboleta ;) |
Nos filmes, a gente sempre vê as crianças batendo na porta das casas e dizendo: "trick or treat?", a frase símbolo do Halloween, que significa "travessura ou doce?". Aqui não precisou. Todos estavam em suas varandas, com bacias cheias de doces, esperando os pequenos.
Minhas bochechas já estavam doendo de tanto sorrir, quando vi uma casa sem nenhuma decoração e um senhor de seus 50 e muitos, 60 anos, com cara de executivo, sentado de terno no degrau da varanda, segurando uma bacia de doces. Ele estava sozinho, enquanto todo mundo estava rodeado de familiares e amigos. Parecia nem estar dando muito bola pra tudo o que estava acontecendo, acho que estava distraído no telefone. Mas ele estava lá. Sentado no degrau. Com doces na mão. Esperando as crianças.
Bah... Daí foi brabo segurar a maldita lágrima que estava há tempos brincando no canto do meu olho.
Não faço ideia de por que aquele homem estava sozinho, em uma casa sem decoração, oferecendo doces para as crianças. Só sei que, de uma forma ou de outra, ele resumiu pra mim o que é o Halloween e me fez começar a entender um pouco, finalmente, o sentido da festa, impossível de ser replicada em um lugar que não tem a cultura ralouínica. O que a gente faz no Brasil é uma imitação, na maioria das vezes barata, que peca não necessariamente por ser imitação, mas por não ter alma. Aqui, o Halloween tem alma. E é isso que faz a diferença. O Halloween é um dia das crianças com sentido. É reunião, é partilha, é alegria, é inocência, é integração. É vida.
Resumindo, é uma mistura extremamente profana de dia das crianças com Natal, só que à fantasia.
Depois de um tempo caminhando, ia voltar pra casa porque não queria ficar lá em pé na garoa, mas ao mesmo tempo queria muito ficar. Então, parei num mercado gourmet, que tem umas mesinhas na frente, e resolvi pegar alguma coisa pra comer. Não só fiz isso, como também peguei uma cerveja na liquor store que fica do lado (não sem antes perguntar se podia beber sentada na rua, que aqui é proibido beber na rua).
Pois bem. Lembra que eu disse que voltar caminhando tinha sido a melhor ideia? Mentira. Sentar ali é que foi a MELHOR ideia. DO MUNDO.
O que acontece é que o mercado estava participando da festa à todo vapor, tocando música assustadora e oferecendo doces para as crianças. Então o resultado foi que quase todas as famílias passaram por ali enquanto eu me deliciava com a minha cervejinha e meus frutos do mar em conserva. Talvez alguém tenha me olhado e pensado: "o que faz essa guria sozinha, sentada no mercado, rindo pra todo mundo que nem louca?". Mas não tem problema. Tomara que tenham pensado: "isso é Halloween".
Foi sensacional, simplesmente sensacional. Melhor Halloween ever. Tudo bem que também foi o único... Mas algo me diz que vai ser difícil algum outro ganhar desse.