sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Fidel

Nunca falei pra vocês sobre o Fidel. Ele é motorista da empresa e uma das pessoas mais queridas pra mim aqui em Angola. Um dia desses estava a voltare do mercado com ele, quando ficamos (pra variar) parados em um enorme engarrafamento. O Fidel é um cara super inteligente. Já foi motorista de candonga (as vans de transporte coletivo daqui), sabe falar inglês, conhece tudo sobre música brasileira e angolana e tem planos de cursar Direito. Teve que parar de estudar porque a esposa ficou grávida, mas pretende voltar em breve. Isso já faz dois anos, mas eu torço muito para que ele de fato coloque os planos em prática no ano que vem.

Enfim... A gente sempre fica a batere papo no carro e, nesse dia, ele virou pra mim e perguntou:

"Professora [os motoristas da empresa chamam todo mundo de professor], por que será que nós angolanos somos tão tímidos?"
"Como assim, Fidel?"
"É, vocês brasileiros são tão simpáticos e expansivos, e nós somos tão tímidos. Por exemplo, se chega uma repórter da TV Zimbo aqui e me pergunta: 'E então, o que o senhor acha do trânsito aqui na Rocha Pinto?', eu não ia saber o que dizer"
"Ah, mas isso é normal... E não acho vocês tão tímidos assim"
"Mas a senhora já tentou fazer uma pergunta pra um angolano? Ele não responde"
"É, realmente tive alguns problemas na coleta de dados. Às vezes fazia uma pergunta e a pessoa ficava calada, olhando pros lados ou pra baixo"
"Pois é, aqui as pessoas fazem isso"
"É, mas se fores prestar atenção, vocês são super animados e expansivos quando estão entre amigos. Estão sempre a dançare, a rire, a brincare..." (hehehehe)
"É verdade..."
"Então... Na verdade eu acho os angolanos muito parecidos com os brasileiros, principalmente com os baianos. É o mesmo estilo"
"É, todo mundo diz isso, acho que é parecido mesmo"
"Pois é, tens que ver que vocês passaram décadas em guerra e que não tinham liberdade nenhuma pra se expressar. Faz só sete anos que isso tudo acabou e não é de uma hora pra outra que as coisas mudam. As pessoas não estão acostumadas a responderem perguntas e a serem ouvidas de verdade..."
"É mesmo, né professora?" (e ele abre um sorrisão)
"É, é mesmo, Fidel"

Não sei explicar por que, mas essa conversa me marcou tanto que fico com os olhos marejados de lembrar. A preocupação e a alegria dele foram tão genuínas... Nós fomos conversando e construindo a linha de pensamento juntos. Foi tão bom!
Quis compartilhar :)

5 comentários:

  1. Bacana este bate papo. Lembrei de uma coisa, tu bateste um papo assim eloquente com outro angolano e então reclamaste. Que coisa! Me refiro aquele pequeno a quem perguntavas e ele respondia a cada pergunta de modo diferente 1, 2, 3, 4, 5... e nem sabias que o Fidelito estava conversando contigo... Talvez não venha a ser um economista mas um tribuno! Um abraço pro Fidel e um beijo para ti. Pai

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  2. Estes assuntos não param de emocionar. Valeu a pena esperar vários dias por nova postagem. Acho que seu amadurecimento, paralelo à construção de pensamento com o Fidel, é fantástico. Ontem eu ainda lhe falava: bendita a hora que a Silvia lhe indicou para esse trabalho; feliz você por ter aceitado e o meu, por ter sempre acreditado que você daria o seu melhor. Parabéns, minha filha.

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  3. Diver, gostei do Fidel também! :D
    E tudo bem com a senhorita?
    Saudades!!!
    Beijão

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