sábado, 14 de dezembro de 2013

Neve!

Hoje tivemos a primeira neve de filme da temporada.

Ahn? Neve de filme? Mas o que é isso?

Neve de filme, minha gente! Aquela neve que cai, cai, cai, continua caindo, caindo, caindo e deixa tudo branquiiiiinho, branquinho. Coisa mais linda! Olha só:


Tinha nevado outras vezes, mas não como hoje, não como em filme. Nevou o dia inteiro, desde a madrugada, e de noite ficou ainda mais forte. Pra vocês terem noção, acabei de olhar pela janela agora e, exceto por um leve ondulado, não dá pra ver onde termina a rua e começa a calçada. Muito doido!

Eu acho neve um treco lindíssimo, mas o povo aqui não parece se animar muito. Todas as outras vezes em que nevou, eu saí na rua feliz da vida, sorrindo pra Deus e o mundo e sempre recebi caras amarradas como resposta. Se eu ganhasse 1 pila por cada vez que ouvi um "quero ver se vais estar feliz depois de um mês de neve"... Bom, não estaria rica, mas poderia pagar umas cevas pra galera.

Hoje eu achei tão fantástico ver todos aqueles flocos caindo que não resisti e... Fui passear de bicicleta! Isso mesmo. Peguei a magrela e fui encarar a nevasca. A minha bici velha de guerra, coitada, não chega nem perto de ser de apropriada para andar na neve, mas encarou muito bem a aventura. Nós enfrentamos apenas três quase-quedas e nos saímos muito bem de todas elas, com ziguezagues equilibrantes muito ágeis e espertos. O brabo mesmo foi encarar os floquinhos chicoteantes que, mesmo minúsculos, sempre conseguiam achar a única parte do meu ser que estava descoberta: os olhos.

Mas tudo bem. Entre mortos e feridos, salvaram-se todos. E eu me diverti à beça.

Não tenho como prever o futuro, e é óbvio que eu sei que, apesar de linda, a neve também é um tanto quanto limitante. Apesar disso, espero que esse inverno nevado não seja suficiente para que eu perca esse encantamento que tanto tem me alegrado. E que a felicidade de ver os floquinhos caindo consiga amenizar a falta danada que o sol me faz.

No caminho para a lavanderia (ali atrás), deixando o carro de algum desconhecido mais alegre. Tomara que ele tenha ficado feliz, e não irritado! :) 

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Yale x Harvard

Quando eu visitei Princeton há dois anos, vi uma camiseta na loja da universidade escrito "Beat Harvard" (algo como "Vençam Harvard"). Fiquei curiosa e perguntei para um professor se a rivalidade entre as duas universidade era muito grande. Ele riu e disse que Princeton considera Harvard sua maior adversária, mas que, na verdade, Princeton é como um irmão mais novo, pra quem ninguém dá muita bola. Segundo esse professor, Princeton fica super feliz quando consegue ganhar um jogo, o que acontece de vez em nunca, mas ninguém liga. Para Harvard só quem importa é Yale. E, para Yale, só quem importa é Harvard.

Na época, eu não tinha condições de julgar se era exagero ou não. A resposta chegou na primeira vez em que visitei uma das lojas daqui e vi uma camiseta com os mesmo escritos desse botton:

Não vou traduzir, mas é um xingamento sem as vogais. Embaixo está escrito: "você quer comprar uma vogal?". 
Achei muito engraçado e claro que fiquei morrendo de vontade de comprar. Mas, né, não sei se pegaria muito bem. Vai que um dia o povo de Harvard está louco pra me contratar, mas acha uma foto minha no google usando algo do tipo. Não seria muito prudente... (mas que eu queria, queria)

Não bastasse essa camiseta, que é vendida por uma loja menos badalada, a Barnes and Noble, livraria que abriga a loja oficial da universidade, também faz piada com a rivalidade, mas com Yale rindo de si mesma, o que achei particularmente cômico. Nas paredes da livraria há vários quadros com charges sobre a rivalidade Harvard x Yale publicadas na revista New Yorker. A que eu mais gosto é essa aqui:

Olha, eu sei que Alan M. Dershowitz, de Harvard, já se pronunciou sobre esse assunto. Eu apenas gostaria de esperar até ouvir que alguém em Yale também falou sobre isso.
Em agosto, logo que cheguei, um amigo meu que estuda em Harvard disse que nos veríamos em novembro. Não entendi e ele explicou: "o jogo entre Harvard e Yale...eu e todos os meus amigos vamos para New Haven". E cá estamos nós em novembro, a pouco mais de uma semana do jogo, e já começaram a pipocar as histórias sobre a grande rivalidade.

De todas as que eu ouvi, a mais cômica de todas foi uma trollada sensacional que 20 alunos de Yale deram em 1800 alunos de Harvard. Foi em 2004, em um jogo de futebol americano. Os 20 Yalies vestiram camisetas de Harvard, pintaram os rostos de vermelho, se infiltraram na torcida adversária e distribuíram placas para que os torcedores formassem um mosaico. Crente de que formaria a frase "Go, Harvard", a torcida levantou alegre suas placas e o que apareceu foi:

Sendo educada, está escrito mais ou menos "nós somos uma merda" :)

A história foi notícia até na Sports Illustrated, uma das revistas de esportes mais famosas dos Estados Unidos, e ganhou site para contar o feito: http://www.harvardsucks.org/ Pra quem quiser assistir, nesse site tem um vídeo muito engraçado mostrando o making of da piada toda.

Essa é só uma entre muitas estórias, mas dizem por aí que Harvard x Yale, Yale x Harvard, é conhecido como o maior clássico entre as universidades norte-americanas. Resumindo, é Grenal (até nas cores).

Cartazes de jogos de futebol americano entre as duas universidades
No dia 23, será jogado o 130º jogo de futebol americano entre os Bulldogs (Yale) e os Crimson (Harvard). A promessa é de que a cidade vai parar.

E, em janeiro do próximo ano, a rivalidade vai extrapolar as fronteiras de New Haven e Boston e cair de paraquedas em plena Nova York, quando os times de hóquei no gelo das duas universidades vão se enfrentar em pleno Madison Square Garden. Sim, aquele lugar em que já tocaram as maiores lendas da música mundial: John, Paul, George, Ringo, Led, Elvis... E ela...


... Ivete Sangalo! rsrs


O slogan megalomaníaco do jogo, porque eu ainda to pra ver um povo mais megalomaníaco do que essa aqui, é: "A maior rivalidade das universidades da América na Arena mais famosa do mundo".


Enfim, deu pra entender, né?

Harvard sucks! Go Bulldogs! ;)

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Sobre o que faz a diferença

O Gordo, vulgo meu pai, me ensinou muitas coisas nessa vida. Algumas delas foram ensinadas há tanto tempo, e hoje já são tão naturais, que talvez eu nem saiba que foi com ele que aprendi. Então, acho que é justo dizer que não sei qual desses ensinamentos foi o mais importante. Mas eu sei de qual deles eu mais gosto.

O Gordo me ensinou que sempre que a gente admira uma pessoa, sempre que tem um elogio a fazer, sempre que tem algo de bom a dizer para alguém, a gente deve dizer.

Eu sempre lembro disso. E sempre tento colocar em prática. Algumas vezes é fácil, noutras é mais difícil. Mas uma coisa é certa: toda vez que eu tenho vontade de dizer algo legal para alguém e não o faço, fico me remoendo depois. E hoje foi um dia em que eu não podia deixar isso acontecer. Porque hoje foi um dia muito, muito especial.

Pensem em um dos maiores bambambans da área em que vocês trabalham, uma pessoa que vocês admirem muito. Pensem que os textos desse bambambam foram a porta de entrada pra vocês gostarem da área em que atuam. Agora imaginem que, graças a uma ação direta desse bambambam, que vocês nunca conheceram pessoalmente, vocês tenham conseguido alcançar algumas das maiores conquistas acadêmicas que já tiveram até então.

Pois é. Foi esse bambambam, ou melhor, ESSA bambambam que eu conheci hoje.

Quando eu resolvi mudar completamente de área no doutorado, os primeiros textos que li foram da professora Mahzarin Banaji. Fiquei encantada com os escritos dela e a admiração cresceu quando soube um pouco mais da sua história. Banaji é uma pioneira. Ela nasceu e cresceu na Índia e veio para os Estados Unidos fazer pós-graduação. Ainda na década de 80, quando não era tão comum as mulheres terem espaço na ciência, ela foi contratada para ser professora de Yale. Aqui, ela deu início a um dos maiores e mais bem sucedidos projetos do mundo no que diz respeito ao estudo de preferências implícitas (é com isso que eu trabalho). Banaji ficou em Yale até 2001, quando teve seu passe comprado por Harvard, onde está até hoje.

Só isso já seria suficiente para eu admirá-la pra caramba. Mas não foi só isso.

Há 2 anos, a UFRGS lançou a primeira missão internacional de curta duração no exterior, que é um dos projetos mais fantásticos que eu conheço. A universidade banca uma viagem de 10 dias pra qualquer lugar do mundo para que alunos de pós-graduação façam contatos com algum professor com o qual queiram desenvolver um trabalho em conjunto. É preciso ter um projeto, contatos prévios, carta de recomendação, enfim... É uma seleção rigorosa porque é claro que há muito mais alunos interessados do que bolsas disponíveis.

Quando a primeira missão foi lançada, em 2011, ninguém sabia muito bem do que se tratava. Eu li o edital e pensei: "bah, que troço mais sensacional, pena que não tenho nenhum contato". Os dias foram passando e, perto do prazo final, me caiu a ficha: "não tenho nenhum contato porque não fiz nenhum contato...dã!". Então, ainda sem saber bem o que exatamente faria no doutorado, comecei a pensar em todos os textos que havia lido nos últimos tempos. E a resposta sobre quem deveria contatar veio muito clara na minha cabeça: Mahzarin Banaji.

Mesmo sabendo que tinha pouco tempo, mesmo sabendo que seria difícil receber uma resposta de uma das professoras mais requisitadas de Harvard, mesmo sabendo que a mulher era presidente de uma das mais importantes associações de Psicologia e que deveria ser um bocado ocupada, resolvi jogar minhas fichas nela. Mandei um e-mail me apresentando, contando que tinha a oportunidade de passar uns dias com ela em Harvard e perguntando se ela tinha interesse. Confesso que não tinha maiores expectativas de receber uma resposta em tempo hábil. Mas ela veio. No mesmo dia. Na verdade, poucos minutos depois.

Não, não foi uma resposta positiva e nem sequer simpática. Não deu oi, não deu tchau, escreveu duas linhas. Ela dizia que estava em um ano sabático, mas que eu deveria tentar contato com um ex-aluno dela.

Na época eu não sabia que aquela era a melhor resposta que eu poderia ter recebido.

Fiquei bem desanimada, mas resolvi tentar e mandar o e-mail novamente, mesmo tendo praticamente certeza de que o raio não cairia duas vezes no mesmo lugar e que eu não receberia uma resposta rápida de novo. E de novo me enganei. A resposta veio no mesmo dia. E não eram duas ou três linhas, mas três parágrafos (e quem já trocou e-mails com um professor norte-americano sabe como isso é raro).

Esse foi o pontapé para uma troca de e-mails entusiasmante e, em uma semana, meu projeto de doutorado estava praticamente pronto. A coisa foi tão incrível que eu já tinha decidido viajar para Princeton com recursos próprios caso não fosse contemplada pela missão internacional. O resto da história vocês conhecem... Ganhei a missão, aproveitei a viagem para aprofundar todos os detalhes do projeto, o tal professor virou meu co-orientador e dois anos depois esse mesmo projeto me rendeu uma das mais prestigiadas bolsas de doutorado sanduíche que eu poderia conseguir.

E tudo começou com a Banaji.

Então, quando tive a oportunidade de vê-la retornar à sua antiga casa hoje, para dar uma das conferências mais importantes de Yale (em 100 anos, ela é apenas a segunda pessoa da Psicologia a ter essa honra), não consegui não pensar no meu pai. E foi com os olhos cheios d'água que, ao final da conferência, me obriguei a respirar fundo e ir agradecer por tudo que, mesmo sem saber, ela fez por mim.


E vou contar pra vocês... Apesar de ela ser conhecida como "mãe de arame" (leitores fiéis e atentos entenderão), eu não fui a única pessoa que ficou emocionada com o encontro.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Trick or treat?

Eis que chegou o famoso Halloween (ou Ralouím, em português).

Nunca entendi muito bem essa festa. Quando era pequena, meu curso de inglês fazia festa de Halloween e eu não conseguia captar qual era a graça. Cresci e... Continuei sem entender.

Até hoje.

Hoje é 31 de outubro. Halloween, portanto. Ou Dia das Bruxas. Ou Día de Los Muertos. Escolham.

Aqui em New Haven, o Halloween bombante acontece na minha rua. Com hora marcada. Sim, é estranho, mas tudo aqui nos Estados Unidos tem hora marcada. No caso do Halloween, das 18 às 20h.

O problema é que desde de manhã o dia estava meio estranho. Amanheceu cinza, continuou cinza, terminou cinza. Choveu de tarde. Garoou de noite. No alto da minha inocência, pensei: "putz, nada de Halloween, pobre das crianças".

Mas, por via das dúvidas, saí da universidade mais cedo, por volta de 17:45, e pedalei até em casa. E que bom que fiz isso!

Eu talvez more na parte mais legal de New Haven. Ou, ao menos, em uma das mais legais. Pois bem. Chegando perto de casa, comecei a notar uma movimentação diferente: tinha mais gente do que o normal. Mas, pensando bem, nada demais. Ao chegar na esquina de casa, notei que o movimento estava maior na quadra seguinte. Fiquei meio em dúvida, mas resolvi conferir. Conferindo, vi uma meia dúzia de crianças fantasiadas, recolhendo seus doces nas muitas casas que estão há tempos enfeitadas.

Legalzinho.

Então resolvi pedalar mais uma quadra.

E aí apareceram mais crianças. E mais casas enfeitadas. E mais pais e mães. E mais vizinhos felizes. E mais sorrisos. E aí eu fiquei patetando, olhando tudo isso e... quase provoquei um acidente (porque claro que eu não sou capaz de pedalar e olhar tanta coisa ao mesmo tempo).

Tive então uma ideia sensata e decidi deixar a bici em casa e voltar para a muvuca caminhando.

Foi a MELHOR ideia.

Fui caminhando pela rua e não sabia pra onde olhava. Por vezes, ficava abobada olhando para as crianças, radiantes em suas fantasias. Em outros momentos, fixava nos rostos felizes dos familiares que as acompanhavam. Em outros, ainda, ficava admirando as pessoas nas suas varandas ou a decoração das casas.

Vocês não têm noção. Quando eu falo em crianças, são MUITAS crianças. Dezenas e dezenas de crianças.

Fiquei olhando aquilo tudo, meio embasbacada, e, quando vi, estava com os olhos cheios de lágrimas. E eu nem estou na TPM. Mas sério!, é uma festa muito, muito bonita.

Crianças de todas as idades, mas principalmente as pequeninas, vestindo todos os tipos de fantasia, com aquela felicidade genuína que só crianças são capazes de ter. Pais! Muitos pais! (homens, porque as mães sempre participam de tudo mesmo, então não é surpresa...). Muitos pais fantasiados, dando uma força para os pequenos, como quem diz "tamo junto", e correndo atrás das suas crias.

Vi crianças vestidas de tudo quanto é tipo de coisa: vampiros, princesas, policiais, bruxas, bombeiros, tartarugas ninja (!), batman (e batwoman, que as meninas também querem ser batman), super homem, mulher maravilha, abelhas, borboletas, fantasmas, abóboras, patos, frankensteins, pânico, elefantes, ursos... Muitas, muitas fantasias! As minhas preferidas, disparado, foram as vacas! Que lindas as vacas (e vacos, que os meninos também querem ser vaca)! A menção honrosa foi para um pequeno de uns dois anos vestido com roupa de cirurgião. O pai também estava vestido de cirurgião. Lindos! Também tinha um pai, com quatro crianças (!), que estava ótimo vestido de Minion!

Abaixo, uma das vaquinhas (de costas, pra ninguém me processar) e o Minion:


Mas a melhor fantasia de pai foi de um cidadão que carregava um papelão branco atrás da cabeça. Vi o cara de costas, correndo atrás da filha, e fiquei intrigada: o que diabos o sujeito faz correndo, segurando um papelão atrás da cabeça?! O resto da roupa era normal. Então, apressei o passo e, ao ultrapassá-lo e olhar pra trás, não consegui segurar a gargalhada. Ele estava vestido de...




...



...



...




... Cesta de basquete! O cara segurava a tabela atrás da cabeça com uma mão e pendurava uma cesta no peito com a outra. Ri alto!

As casas enfeitadas eram um capítulo à parte. Uma das melhores de todas era essa aqui de baixo:

O melhor detalhe é o dinossaurinho de verde brincando com a decoração no canto direito da foto :)

A mesma casa, por outro ângulo. Agora também com um dinossauro vermelho e uma borboleta ;)
 




Nos filmes, a gente sempre vê as crianças batendo na porta das casas e dizendo: "trick or treat?", a frase símbolo do Halloween, que significa "travessura ou doce?". Aqui não precisou. Todos estavam em suas varandas, com bacias cheias de doces, esperando os pequenos.

Minhas bochechas já estavam doendo de tanto sorrir, quando vi uma casa sem nenhuma decoração e um senhor de seus 50 e muitos, 60 anos, com cara de executivo, sentado de terno no degrau da varanda, segurando uma bacia de doces. Ele estava sozinho, enquanto todo mundo estava rodeado de familiares e amigos. Parecia nem estar dando muito bola pra tudo o que estava acontecendo, acho que estava distraído no telefone. Mas ele estava lá. Sentado no degrau. Com doces na mão. Esperando as crianças.

Bah... Daí foi brabo segurar a maldita lágrima que estava há tempos brincando no canto do meu olho.

Não faço ideia de por que aquele homem estava sozinho, em uma casa sem decoração, oferecendo doces para as crianças. Só sei que, de uma forma ou de outra, ele resumiu pra mim o que é o Halloween e me fez começar a entender um pouco, finalmente, o sentido da festa, impossível de ser replicada em um lugar que não tem a cultura ralouínica. O que a gente faz no Brasil é uma imitação, na maioria das vezes barata, que peca não necessariamente por ser imitação, mas por não ter alma. Aqui, o Halloween tem alma. E é isso que faz a diferença. O Halloween é um dia das crianças com sentido. É reunião, é partilha, é alegria, é inocência, é integração. É vida.

Resumindo, é uma mistura extremamente profana de dia das crianças com Natal, só que à fantasia.

Depois de um tempo caminhando, ia voltar pra casa porque não queria ficar lá em pé na garoa, mas ao mesmo tempo queria muito ficar. Então, parei num mercado gourmet, que tem umas mesinhas na frente, e resolvi pegar alguma coisa pra comer. Não só fiz isso, como também peguei uma cerveja na liquor store que fica do lado (não sem antes perguntar se podia beber sentada na rua, que aqui é proibido beber na rua).

Pois bem. Lembra que eu disse que voltar caminhando tinha sido a melhor ideia? Mentira. Sentar ali é que foi a MELHOR ideia. DO MUNDO.

O que acontece é que o mercado estava participando da festa à todo vapor, tocando música assustadora e oferecendo doces para as crianças. Então o resultado foi que quase todas as famílias passaram por ali enquanto eu me deliciava com a minha cervejinha e meus frutos do mar em conserva. Talvez alguém tenha me olhado e pensado: "o que faz essa guria sozinha, sentada no mercado, rindo pra todo mundo que nem louca?". Mas não tem problema. Tomara que tenham pensado: "isso é Halloween".

Foi sensacional, simplesmente sensacional. Melhor Halloween ever. Tudo bem que também foi o único... Mas algo me diz que vai ser difícil algum outro ganhar desse.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Edição extraordinária: Sobre o amor!

Essa postagem não tem nada a ver com estudos, Yale ou New Haven. Nada disso...
Mas não vão embora, o texto tem a ver com angolandanças. Porque angolandar, afinal das contas, é viver. E viver é amar (ai, como sou poética! rsrs).

Na verdade, gostaria de compartilhar com vocês um comentário que fiz em um outro blog. Era pra ser algo super rapidinho, só uma resposta para uma pessoa, mas no fim ficou tão grande e falou tanto sobre o que penso e sinto, que achei que seria legal colocar aqui também.

Então, antes, deixem eu fazer uma contextualização:

No início do mês, duas grandes amigas minhas se casaram. Sim, amigas. Duas. E não, não foi um casamento duplo... Elas casaram uma com a outra mesmo.

Para minha dor (ainda não me recuperei completamente do baque), não pude estar presente na festa. Porque, né, eu to aqui e elas tão aí (ou lá, dependendo de onde vocês estiverem...).

Por outro lado, para minha ENORME felicidade, parece ter sido uma das cerimônias mais lindas que já se viu. Não teve pompa, não teve superprodução, longe disso, mas teve MUITO amor. E como foi tão lindo, e tão emocionante, e tão sensacional, e tão... incomum (sim, ainda é incomum duas mulheres se casarem em Porto Alegre), virou notícia. A Lu, umas das noivas, publicou um relato lindo nesse blog aqui.

Tudo muito bom, tudo muito bem, fui ler os comentários da postagem sobre o casamento.

Abre colchetes:
[Eu ADORO ler comentários de blogs. Adoro mesmo. Leio até quando são aquelas grosserias que as pessoas gostam de publicar anônimas e que nunca teriam a coragem de assumir na vida real. Acho que os comentários de blog dizem muito sobre a sociedade. Então eu ADORO ler. Só gosto ainda mais quando é aqui, no angolandanças, então deixem de ser preguiçosos e manifestem-se na caixinha! :D]
Fecha colchetes.

Pois bem, no meio dos comentários (que certamente estão sendo moderados, porque não aparece nenhuma grosseria) encontrei um que me deixou muito tocada. Foi o comentário da Aline Maria. Eu não faço a menor ideia de quem é a Aline Maria, mas ela escreveu assim:

  • aline maria diz:17 de outubro de 2013
    juro que me esforço para compreender, sem conseguir… mas não estou julgando, pelo contrário… a culpa é minha mesmo, está fora da minha capacidade de compreensão… para mim, falta algo, falta a figura masculina, o cara grande e mais forte que protege, enquanto que nós mulheres encantamos com doçura e beleza… falta o oposto justamente, se um estar preocupado com o smoking enquanto que a moça esta preocupada em ser a mais bela mulher da festa… desculpa, mais uma vez… quero deixar claro que sou a favor de que pessoas do mesmo sexo tem o direito de se casarem, de adotar e de ter filhos…como qualquer um de nós… chega a ser cruel alguem tipo um feliciano idiota qualquer, querer proibir ou dizer que isso é doença… mas eu sinceramente nao consigo me ver dentro de uma relação aonde nao exista o macho… me perdoa a sinceridade,…. mas esta nao seria eu MESMO. a gente faz de tudo para ficar lindas e sexyes, e elas usam jeans no casamento? com all satar??? e cabelos curtos??? olha… eu nao entendo mesmo… qual é o sentimento, eu nao entendo, me perdoa…. que sejam felizes, e que as crianças possam ser adotadas, tenho certeza que sera um lar magnifico, mas eu…… nao entendo. abraços e felicidades…
Vejam que a Aline Maria entrou em um blog sobre casamento, provavelmente esperando ler sobre as bodas de algum casal tradicional (homem + mulher), e deu de cara com a notícia sobre o casório da Lu e da Suzi. Deve ter sido um choque. Imagino a Aline Maria olhando para a tela do computador, se questionando se estava entendendo certo o que significava aquelas duas mulheres de mãos dadas. Mas mesmo assim a Aline Maria se deu ao trabalho de ler. E leu com muita atenção porque mencionou vários detalhes, como a roupa das gurias, o corte de cabelo, e o desejo delas de adotar uma criança. A Aline Maria não só leu, como sentiu o desejo de compartilhar o que estava sentindo. E não só compartilhou, como, em um texto cheio de angustiados três pontinhos, desabafou sobre a sua dificuldade em entender aquela relação. Mas, mais do que tudo (ou talvez seja melhor dizer, MESMO com tudo), a Aline Maria fez questão de pedir perdão (!) e de dizer que deseja que as gurias sejam bem sucedidas na adoção e que sejam felizes.

Não sei sobre vocês, mas eu fiquei muito comovida com o comentário da Aline Maria.
Talvez por estar acostumada a ler os comentários de blogs e notícias. Talvez por saber que tem MUITA gente que, assim como a Aline Maria, não consegue entender. E talvez por saber, também, que a maioria dessas pessoas tem medo do que não entende e que, acuada pelo seu medo, reage agredindo. São raros, raríssimos, os que conseguem ter a nobreza que a Aline Maria teve para admitir que não entende e para, mesmo assim, conseguir desejar felicidade.

Vocês podem ler a resposta que a Suca deu para a Aline Maria lá no blog. Foi linda!
Eu não resisti e decidi responder também porque achei que a Aline Maria merecia toda a atenção do mundo. Ela parece ser uma pessoa de bom coração. E, nesse mundo doido em que a gente vive, pessoas de bom coração precisam ser bem tratadas.

Abaixo, a minha resposta para a Aline Maria.


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O comentário da Aline Maria me encantou muito e eu espero de coração que tu ainda estejas lendo o que as pessoas estão escrevendo aqui, Aline, principalmente o que respondeu a Suzi.

Queria te dizer, Aline, que eu acho que entendo a tua angústia.
Desde sempre, a gente é ensinada a pensar de maneiras específicas sobre determinados tópicos. Alguns deles tu citaste no teu comentário: o homem tem que ser forte, a mulher precisa ser delicada, mulher bonita e feminina usa vestido e cabelos compridos, um casal é constituído por um homem e uma mulher...e por aí vai.

Eu entendo que seja confortável pensar desse jeito, porque, afinal, tudo fica regrado e previsível: a gente sabe exatamente como as coisas devem ser. E entendo, também, que gere alguma angústia quando algo foge do padrão com o qual estamos acostumados.

O que acontece, Aline, é que, por mais que esse mundo certinho e previsível ao qual te referes possa ser confortável, ele também é um bocado engessante. Porque quando a gente se prende muito a regras e rótulos (que foram impostos por quem mesmo?), acaba limitando as nossas possibilidades de conhecer (e se encantar!) pelo que é diferente. O mundo tem tantas e tantas possibilidades, Aline. São infinitas! Muitas e muitas mais do que aquelas que nos fizeram acreditar. O amor, então, nossa!, o amor não merece nenhuma barreira. O amor deveria arrebatar. Sempre.

Eu estou te dizendo isso porque houve um tempo em que eu também não sabia que essas possibilidades existiam. Eu fui ensinada, desde pequena, que meninas namoram meninos. Ninguém me contou que poderia ser diferente (e que não seria uma aberração se fosse diferente). Então, o que eu fiz? Namorei com meninos, claro. E eu gostava até. Era bom, era divertido. Mas não tinha aquele algo a mais, sabe? Desde pequena, também, eu lembro de ter sentido, vez ou outra, meu coração acelerar, um frio na barriga, quando estava perto de alguma amiguinha. Mas eu ainda vivia naquele mundo quadradinho sobre o qual te falei antes, então acabava achando que era apenas uma amizade muito grande mesmo. Eu nem imaginava que era possível ser outra coisa. O amor romântico entre duas mulheres era algo que simplesmente não existia como possibilidade na minha cabeça. Eu não sabia que isso poderia acontecer.

Mas aconteceu.

Eu conheci a minha companheira há 7 anos e estamos juntas desde então. É um amor tão bonito, Aline. Tu não fazes ideia! Mas sabe o quê? Se te angustia não entender esse sentimento entre duas mulheres (ou dois homens), faz assim ó: não pensa que são duas mulheres. Pensa apenas que são duas PESSOAS. Duas pessoas que se amam. Porque essa é que é a verdade: o amor ocorre entre pessoas. Se é mulher, se é homem, se é um homem que se sente como mulher, se é uma mulher que se sente como homem... Isso não importa. O que importa é que somos pessoas, apenas pessoas. Que amam! Olha que bonito :)

Mas pra encerrar, que isso aqui está gigante, queria te contar também que ano passado minha companheira e eu escolhemos a Suzi e a Lu para serem madrinhas da nossa união estável (não, ainda não casamos, mas está nos planos). Além de elas serem grandes amigas, o principal motivo da nossa escolha foi o fato de elas serem um exemplo de casa
1l modelo nas nossas vidas. E isso não tem nada a ver com o fato de serem duas mulheres. Elas são exemplo de CASAL, entendido aqui como pessoas que se amam tanto, mas tanto, que decidem compartilhar uma vida. Não tenho, entre TODOS os meus amigos, independente do rótulo que carreguem (hetero, homo, bi, tri ou tetrassexuais...), duas pessoas que se amem mais, que sejam mais companheiras (e há tanto tempo!) do que essas duas.

Felizes as pessoas, Aline, que têm a honra, a oportunidade de ter um amor assim nas suas vidas. E isso, realmente, não tem como entender, só dá pra sentir :)

Um forte abraço!
Morena

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Yale University: Parte II - O Presidente

A organização das universidades norte-americanas é um bocado diferente das brasileiras. Na verdade, é tão diferente que eu ainda não entendi muito bem, então não vou conseguir explicar direito... Por ora, só é importante que vocês saibam que aqui as universidades têm presidentes e que eles são a figura que ocupa a mais alta posição hierárquica da instituição.

Ah, Airi, então eles são que nem os nossos reitores?

Hmmm, não, não exatamente... Se bem que, por outro lado, sim.
Em termos hierárquicos, eles de certa maneira se equivalem, já que os dois são as figuras mais poderosas das suas instituições. Mas acho que, em termos de função, a figura do reitor também tem algo de parecido com o que aqui eles chamam de "provost", que é o cara que cuida de tudo que diz respeito à vida acadêmica da universidade. Ou talvez o provost seja como todos os nossos pró-reitores reunidos em uma pessoa só. Vai saber...

(Eu disse que não ia conseguir explicar. Alguém aí que entenda melhor o sistema, me ajude, por favor)

Tá, mas então o que o presidente faz?

Huun... A primeira resposta que me ocorre no momento é "apresenta os ganhadores do Prêmio Nobel", já que foi o que eu mais vi o presidente de Yale fazendo até agora (haha!). Mas acho que o mais correto seria dizer que, além de ser o rosto da universidade e responder por ela, ele também é o cara que corre atrás dos pilas (ou da bufunfa, em português). Se bem que eu posso ter entendido errado, claro.

Mas enfim, não importa. Tudo isso foi pra contar pra vocês que Yale tem, desde domingo, um novo presidente: Peter Salovey. Vocês podem estar pensando: "tá, e daí, grande coisa". E daí que é uma grande coisa, sim. Não que eu soubesse disso antes, mas aparentemente dei sorte de estar aqui nesse momento porque a última vez que houve uma troca de presidentes em Yale foi há 20 anos. Mais do que isso: nos 312 anos da universidade, esse é apenas o 23º presidente empossado.

O resultado é que, desde que eu cheguei, o povo aqui está MUITO empolgado. No início eu até cogitei que fosse pela minha presença, mas aparentemente não era ;) Todos estavam esperando ansiosos a posse do presidente, que aqui eles chamam de "inauguração".

Me permitam abrir colchetes aqui embaixo porque tenho uma historinha engraçada sobre o termo inauguração:

[Em janeiro, estavámos passeando em Washington, a Loira e eu, e nos deparamos com várias arquibancadas montadas, um pequeno palco, e muita, mas muita segurança. Super curiosa, estava doida para saber do que se tratava e prontamente fui perguntar a um policial. A Loira, neste momento, já estava a uns 50 metros de distância porque ela tem vergonha das minhas perguntas. Mas tudo bem. Fui super simpática, para o cara ver que eu não era uma ameaça em potencial, e perguntei: "o que que vai acontecer aqui?". O policial me olhou com cara meio desconfiada e respondeu um sonoro "hein?". Eu: "é, essas coisas todas aqui são pra que?". Ele sorriu, vendo que eu claramente não representava perigo, e disse: "pra inauguração". Eu, já pensando nos brindes que sempre dão em inaugurações de coisas: "Inauguração, é? Inauguração do quê?". Ele me olhou, cada vez mais curioso (deveria estar se perguntando de onde diabos essa criatura saiu), e respondeu: "hmmm, do presidente?". Eu: "do presidente?". Ele: "sim, do presidente". Eu: "ooohhh!, o presidente, presidente? Presidente mesmo, tipo, o Obama?". Ele, já rindo: "sim, esse mesmo". Eu, quase gritando de emoção: "Que máximo! E quando vai ser isso? (já pensando em assistir, claro...)". Ele, rindo mais ainda: "semana passada"]

Tá, fechei colchetes. Agora vocês já sabem que "inauguration" é "posse", não é inauguração de loja, e não vão passar vergonha na frente de ninguém.

Mas voltando.

Não sei se todas as posses de presidentes de universidade por aqui são tão descontraídas e divertidas como essa foi, mas desconfio seriamente de que isso tem muito a ver com a personalidade do presidente que assumiu. O Salovey está em Yale há mais de 30 anos. Ele fez doutorado aqui, é professor de Psicologia (yay!), foi Chefe de Departamento, Diretor da Graduação, Diretor da Pós-Graduação e também Provost. Ou seja, passou por todos os cargos possíveis e imagináveis, conhece praticamente todos os funcionários da universidade e é muito, mas muito querido por eles. E também pelos alunos.

Um psicólogo chamado Harry Harlow realizou um famoso experimento com macacos em meados dos anos 50. Ele colocou vários macaquinhos recém nascidos em uma jaula na qual havia duas mães artificiais: uma era feita de arame puro e a outra, embora também fosse feita de arame, era toda coberta por um tecido macio e aconchegante. O resultado foi que, não importava qual das duas oferecesse comida, os macaquinhos sempre preferiam a mãe feita de pano.

Tá, Airi, que legal, mas o que tem a ver essa informação descontextualizada aqui?

Pois bem. Nos corredores do Departamento de Psicologia, correm boatos de, que há alguns anos, todos os alunos chamavam a Famoseonérrimaíssima Profa. Sicrana, uma über bambambam que infelizmente já não dá mais aula aqui, como "mãe de arame". E adivinhem quem era a "mãe de pano"? Sim, o Salovey :)

Curiosidades à parte, a felicidade das pessoas tem sido contagiante nas últimas semanas e estou adorando poder testemunhar esse momento tão singular da história de Yale.

Para quem ainda tem alguma dúvida sobre o carisma do cara, coloquei aqui embaixo um vídeo dele convidando os alunos para o Baile da Posse. Acho que mesmo quem não entende inglês vai conseguir entender do que estou falando:




segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Yale University: Parte I

Yale é uma das universidades mais famosas e prestigiadas do mundo. Mesmo quando eu converso com norte-americanos e digo onde estou estudando, a reação normalmente é tipo: "bah!" (isso em gauchês, claro, em inglês seria algo como "wow"). Isso se deve a uma série de fatores, mas tanto a qualidade do ensino quanto da pesquisa aqui são inegáveis. Só nos últimos dias, por exemplo, dois professores da casa foram agraciados com o Prêmio Nobel (Medicina e Economia). Eu ri alto quando, ainda hoje, o presidente da universidade foi apresentar o ganhador do Nobel de Economia e brincou, dizendo algo como:

"Estou muito feliz porque, como vocês podem imaginar, não é todo dia que o presidente de Yale tem a honra de apresentar um ganhador do Prêmio Nobel... é toda segunda" (porque o anúncio do Nobel de Medicina foi na segunda passada).

Ao contrário do que se pode imaginar, Yale é uma universidade é relativamente pequena. Estudantes de graduação e pós-graduação não somam mais de 12 mil pessoas. Some-se a isso 4 mil professores e 9 mil funcionários e temos uma comunidade acadêmica composta por 25 mil integrantes. Apenas a título de comparação: a UFRGS tem 28 mil... alunos! E só na graduação.

Yale é uma instituição privada (e caríssima, por sinal), fundada em 1701 (sim, Porto Alegre ainda não tinha nascido). É a terceira universidade mais antiga dos Estados Unidos. A arquitetura por aqui lembra muito a de Harvard, Princeton e possivelmente a de outras universidades da Ivy League (vou falar mais sobre a Ivy League no futuro). São prédios lindos, mas há quem ache entediante porque "todos são iguais e se parecem com igrejas", nas palavras de uma conhecida minha. Eu não me incluo nessa categoria, que fique claro. Sempre fico passeando pelo campus meio abobada, admirando a paisagem.

Algumas fotos para cada um tirar suas próprias conclusões :)


Mas continuando...

Para fazer a graduação por aqui, a pessoa precisa ser muito boa e... ter muito dinheiro. Pra vocês terem uma ideia, quando eu passei pela imigração no aeroporto (quase sempre um momento tenso), o cara da segurança olhou meu formulário e disse, rindo: "Huun, Psicologia em Yale? Gente louca e rica". Acabou não sendo nada tenso :)

Mas chegando aqui eu entendi o que ele queria dizer, pelo menos na parte do "gente rica". Porque para ter no currículo um "graduado em Yale" é preciso desembolsar...

PREPARA!
...



...



... quase 65 mil doletas ANUAIS. Sim: 65 mil dólares POR ANO. 

Claro que é possível conseguir bolsa de estudos. Inclusive, parece que não são poucas as bolsas que eles concedem anualmente. Mas, né, imagino que a concorrência seja BEM grande. 

Façam aí as contas e vocês podem imaginar que a universidade tem muito dindim. Mas a universidade não vive apenas do dinheiro da galera da graduação. Outra fonte de renda MUITO importante são as vultuosas doações de generosos ex-alunos. Esses dias, recebi um e-mail anunciando que Yale tinha recebido a maior doação de sua história. E só o que eu tenho a dizer é: ainda bem que eu estava sentada quando li. 

Quer saber quanto foi? 

PREPARA DE NOVO!


...



...



Duzentos e cinquenta milhões de doletas.

Não, você não leu errado: 250 (dois, cinco, zero) MILHÕES de dólares.

É, amigo. Sabe aquela frase "não tá fácil pra ninguém", repetida exaustivamente por aí? 
Pois é... É mentira.


domingo, 22 de setembro de 2013

New Haven (parte I): Uma cidade, várias realidades

Esta é a primeira de uma série de postagens sobre a cidade em que estou morando. Fundada em 1638, New Haven está na parte litorânea do estado de Connecticut e fica a duas horas de trem de Nova York (ao sul) e a duas horas e meia de Boston (ao norte).


Antes de vir para cá, eu imaginava encontrar uma situação parecida com a de Princeton, cidade que tem o mesmo nome da universidade que abriga e que praticamente se resume a ela. Mas New Haven não é assim tão pequena. Sim, ser a casa de Yale é o principal cartão de visitas de New Haven, mas a cidade não se limita ao campus. Cerca de 130 mil pessoas moram por aqui e apenas 11 mil delas são alunas da universidade. Esse número fica ainda mais impactante se considerarmos a zona metropolitana (a Grande New Haven), que concentra mais de 800 mil pessoas.

O que acaba acontecendo, então, é que existe uma divisão óbvia aqui na cidade: de um lado, tudo o que é ligado à universidade, do outro, todo o resto.

Ainda no Brasil, quando estava procurando lugar para morar, recebi conselhos de várias pessoas sobre os melhores locais para se viver por aqui. Me chamou atenção o fato de elas terem sido unânimes em dizer que há um linha muito bem delimitada (mesmo que imaginária) que separa os locais "seguros" dos "não tão seguros assim". Não tinha muita noção do que isso significava, mas por via das dúvidas resolvi seguir o conselho.

Chegando aqui, entendi.

Para simplificar, é como se existisse uma bolha ao redor da universidade.

É uma bolha relativamente grande, então é super possível viver apenas dentro dela. Mas toda bolha tem bordas, certo? Pois então... Ainda estou explorando tudo por aqui, mas até o momento identifiquei um local que é mais do que uma borda, é um ponto de intersecção interessantíssimo entre os dois universos de New Haven: o Green.

O Green, como o nome sugere, é verde. Rá!


Sabe aquela praça, que a gente diz que existe em todas as cidades pequenas do Brasil? Pois é, aqui também tem, só que eles chamam de "common". Em vez de ser redondo, como normalmente são as nossas praças centrais (na verdade acabei de me dar conta que não sei se a maioria delas é redonda, mas a de Pelotas é...rsrs), o Green é retangular. Ao redor dele a gente encontra uma igreja (óbvio), bancos, biblioteca, prédios da universidade, sociedades secretas e... o ponto de ônibus central da cidade.

E aí é que reside o segredo.

New Haven é uma cidade bem plana, pelo menos na zona central, então é tranquilíssimo andar de bicicleta e a pé. Além disso, para quem mora um pouco mais longe (ou só está com preguiça mesmo), a universidade oferece uma rede invejável de shuttles gratuitos (que são fantásticos, by the way, mas vou fazer um post só sobre eles mais adiante).

O que isso significa?

Significa que a maior parte da comunidade acadêmica não precisa utilizar os ônibus comuns. Normalmente, aqueles que optam por morar longe da universidade, e portanto fora da rede coberta pelos shuttles, têm carro. Logo... Os ônibus são do povão.

E o povão, nesse caso, tem um perfil que salta aos olhos de qualquer um que já tenha passado pelo Green. O povão é negro, o povão é pobre, o povão é gordo. Sim, o povão é gordo.

Quando eu visitei Princeton, fiquei totalmente sem entender de onde vinha aquela ideia de que os norte-americanos são gordos. Todas as pessoas que eu vi por lá eram atléticas e adoravam praticar exercícios físicos. Então acabei ficando com cara de...

"Ué, me enganaram?"

Mas, e sempre tem um mas, lembrem que a cidade de Princeton se resume à universidade, o que evidentemente quer dizer que lá não existem pobres.

O mesmo princípio se aplica à bolha de New Haven: dentro da bolha é muito difícil ver algum obeso. Não que seja impossível, claro que não, mas não é algo comum. Quando se chega no Green, no entanto, difícil é encontrar alguém magro. Em uma das minhas pernadas por lá, contei 3 obesos em cadeiras de rodas. Claro que não fui perguntar por que eles estavam em cadeiras de rodas, mas desconfio seriamente que a obesidade seja a causa, e não a consequência, da falta de mobilidade.

Mas então, pra encurtar um pouco a história, que esse post já está ficando grande, três pontos sempre me fazem ficar pensando quando vou a Green:
1) Como eu sempre acabo vivendo dentro de bolhas, independente de onde estou (é assim no Brasil, foi assim em Angola e está sendo assim aqui nos Estados Unidos).
2) A força da associação entre pobreza e cor da pele, que é tão inegável aqui quanto no Brasil, e que diz muito da (falta de) igualdade de oportunidades para brancos e negros nos dois países.
3) A existência da associação entre pobreza e obesidade, que (ainda) não me chama tanta atenção no Brasil, mas que é escancarada aqui. Se por um lado essa associação é fácil de explicar, por outro, a explicação não faz nenhum sentido na minha cabeça: em New Haven são necessários em torno de 10 dólares para pagar por um almoço bom e saudável, mas com 1 dólar é possível comprar dois sanduíches no McDonalds.

Daí complica, néam...

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* A foto do green é de Michael Melford e foi retirada da Yale Alumni Magazine. A foto da bolha é de Sarai Fotography (assim, com f mesmo) e foi retirada deste flickr. O desenho do "ué, me enganaram?" é da animação Up, da Pixar.

sábado, 14 de setembro de 2013

Carta aberta aos pais do Samuel

Prólogo

Para quem não teve a oportunidade de conhecê-lo, resumo dizendo que o Samuel é a figura mais emblemática da Psicologia da UFRGS e ontem foi desbravar outros pagos. Não conseguimos nos despedir, mas isso talvez não fosse mesmo necessário porque ele vai seguir por aqui por muito tempo. Peço licença agora para me dirigir aos pais dele porque... Não sei por quê. Acho que porque eu gostaria tanto de abraçá-los que até dói. Mas não posso, então escrevo.



Carta aberta aos pais do Samuel

Ontem eu passei o dia inteiro chorando, ontem o dia doeu. Não os conheço pessoalmente, mas gostaria muito de ter estado com vocês para poder levar meu abraço. Eu não consigo nem imaginar o tamanho da dor que vocês estão sentido, mas estou mandando as minhas melhores energias para que vocês consigam, em meio a tanta dor, encontrar algum consolo por terem dado origem a um guri que fez desse nosso mundo um lugar melhor para se viver.

Vejam bem, eu pouco conhecia o Samuel. Mas também conhecia muito o Samuel. Nos meus quase 10 anos de Instituto de Psicologia, não consigo pensar em uma pessoa que tenha cativado tanto quanto ele. Não há outra pessoa que tenha circulado tão bem em todos os espaços daquele Instituto e, acreditem, essa não é uma tarefa fácil. Mas o Samuel não se importava, não pedia licença, ele circulava e pronto. E, de repente, estava em todos os lugares, sendo admirado, sendo amado.

Na impossibilidade de estar aí fisicamente ontem, tentei me conectar como era possível, então passei a acompanhar as mensagens na internet. E elas não pararam de chegar. 

O que a gente mais ouve quando alguém é tirado assim, tão de repente, do nosso convívio é: “puxa, eu não tive tempo de dizer tudo o que gostaria”, “eu não disse o quanto ele era importante”, “eu não disse o quanto o amava”. Com o Samuel, não. Com o Samuel foi o inverso. Muitas pessoas disseram, outras tantas pensaram: “eu te amo, te admiro e o que me consola é que eu te disse isso tudo”. Porque o Samuel provocava a expressão do que há de melhor nas pessoas.

O Viktor Frankl, um psiquiatra austríaco, costumava dizer que se a vida tem um sentido, então o sofrimento necessariamente também o terá. E, no meio de tanta dor, comecei a procurar um sentido em todo esse sofrimento. E acabei encontrando o danado no meio de todas as mensagens que li ontem.

A vida do Samuca foi tão breve quanto intensa e, em toda essa intensidade, ele conseguiu transmitir mensagens de paz, de amor, de companheirismo, de respeito à natureza, de luta por ideais. E talvez toda essa dor que estamos sentindo agora sirva para potencializar o legado que ele nos deixou. E talvez esse seja o sentido de todo esse sofrimento: continuar lutando, com ainda mais força, para construir o mundo com o qual o Samuca sempre sonhou e pelo qual sempre lutou.

(hoje comecei a ler a autobiografia do Gandhi, da qual ele tanto falava)

O Samuca era Batman, era Super-Homem. Exemplo. Força. Coragem.
O Samuca era amor. O Samuca é amor.
Muito obrigada por terem nos dado o Samuel.
Vocês podem ter certeza de que ele seguirá vivendo em todos nós.