segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Filosofia de beira de estrada

O período que a gente passa na estrada, entre uma escola e outra, entre uma viagem e outra, dá um bocado de tempo para pensar na vida. Resolvi, então, compartilhar alguns desses pensamentos com vocês...

Angola é um país que enfrentou duas guerras sucessivas, que deixaram marcas indeléveis na população. A primeira foi a guerra pela independência. Angola era colônia de Portugal e queria deixar de ser. Para isso, a população pegou em armas. A segunda foi a guerra civil, que durou mais de 25 anos e que terminou apenas em 2002, com um saldo superior a 500.000 mortos.

A Província do Moxico, onde estou agora, foi uma das mais atingidas pela guerra civil. Foi nela, inclusive, que a guerra acabou, com a morte de Jonas Savimbi, líder da UNITA, que está enterrado em um cemitério aqui perto. O prédio que fica em frente ao hotel (foto ao lado) é todo cheio de buracos, inteiramente cravejado por balas. Estou aqui há menos de 24 horas e já vi uma quantidade enorme de pessoas mutiladas. Herança cruel das minas terrestres.

Angola vive hoje uma (pseudo)democracia. O ditad..., ops, presidente está no poder há exatos 30 anos e 18 dias. Há fotos dele espalhadas por todos os lugares. Todos mesmo! Em todas as cidades que conheci vi outdoors com a foto do dito cujo. A tal foto está em qualquer lugar em que se entre: repartições públicas, escolas, bares, lojas... As pessoas andam com camisetas estampadas com a foto. É uma coisa de louco. Eu brinco com as gurias dizendo que essa foto deveria ser souvenir daqui porque é uma das imagens mais representativas do país.

Não sei se vocês sabem, mas Angola tem uma riqueza natural gigantesca. São montes de diamantes, petróleo, ferro, minerais... A maioria da população obviamente não tem acesso a essa riqueza. Nós, que somos brasileiros, compreendemos bem como funciona esse processo. Mas, por uma série de motivos que não cabe elencar agora, as coisas aqui me saltam ainda mais aos olhos do que no meu país. Poderia filosofar um bocado sobre isso, mas por ora vamos nos concentrar um bocadinho nas minhas angolandanças.

Angola é um país em (re)construção. Todo mundo vem pra cá para ganhar dinheiro. Chineses, portugueses, brasileiros... O povo vem, explora e vai embora. É como eu disse logo que cheguei: aqui dá pra enriquecer fácil e rápido. E o povo, que tanto lutou por independência, continua sendo escravo do capital estrangeiro mesmo tendo total possibilidade de se sustentar. O que me tira o chão é que as pessoas investem bilhões de dólares em coisas absolutamente supérfluas e esquecem do mais básico. A esmagadora maioria dos angolanos não tem acesso a água, luz, saúde e alimentação. Escolas, então, nem se fala. Vocês viram algumas fotos, mas, assim como acontece com o sol laranja, elas não fazem jus à realidade. E, vá lá, até dá pra entender que os estrangeiros façam isso. Mas e o Governo? O que o Governo angolano ganha com tudo isso? Dinheiro? Os bolsos deles já estão cheios...pra que mais?!

E querem saber de uma coisa? O Governo de Angola não sabe o poder que tem nas mãos. Os caras que mandam, aqueles que ficam sentados em escritórios luxuosos, dizendo o que pode e o que não pode ser feito, o cara da foto... Eles não têm ideia do poder que está ao alcance de um estalar de seus dedos! Porque com tudo isso, com todas essas dificuldades, com toda a humilhação, com toda a miséria... Mesmo com tudo isso, e com muito mais, eles têm um país que é feito pelo sangue e pelo suor de pessoas que têm uma sede de conhecimento incrível. Pessoas que têm uma vontade gigantesca de serem melhores do que lhes disseram que poderiam ser. Pessoas que dariam a vida, literalmente, para construir um país que poderia fazer inveja a qualquer potência mundial.

Dizem que criança aqui é como capim: cresce em qualquer lugar e tem onde quer que se olhe. Pois essas crianças, essas que são como capim e que crescem em qualquer lugar, acordam às 4h da manhã e vão para a escola carregando suas cadeiras nas costas, pois não há troncos suficientes para sentarem embaixo das árvores onde têm aula. Elas saem de casa sem comer e caminham 5, 6, 7...10 quilômetros para chegar na escola, onde não recebem merenda. Elas muitas vezes não têm sapatos, nem lápis, nem cadernos, mas têm uma vontade enorme de aprender. E é isso o que as faz ir para a escola todos os dias. Escola que não tem paredes, nem banheiros, nem quadro, nem carteiras, mas que tem alguns poucos professores que, quando aparecem e quando não estão embriagados, ensinam. Ensinam como podem. Ensinam como sabem. Ensinam como aprenderam quando também eram crianças. E as crianças apanham, são violadas, têm seus direitos mais básicos desrespeitados, mas continuam indo. E vão porque sabem que aquela provavelmente é a única oportunidade que têm para serem mais do que o país lhes permitiu ser.

E o cara aquele da foto, se soubesse disso, se fosse inteligente, se andasse pelo seu país em vez de viver em um castelo de cartas cercado por soldadinhos de chumbo, se daria conta de que tem um exército poderosíssimo nas mãos. Ele adora exércitos, então iria gostar dessa novidade. E se, por fim, ele realmente amasse o seu país, como proclama amar, daria a essas crianças condições mínimas para que se desenvolvessem bem. Não pelas crianças, que eu sei que ele não se importa com elas, mas pelo país. Essas crianças são como capim, não precisam de muito. Elas não são assim tão caras. Se com o pouco que elas têm já dão espetáculo, imagina se tivessem acesso ao mínimo necessário.

E, então, o cara da foto, que assumiu o poder dizendo que os jovens poderiam mudar o país, faria jus ao primeiro presidente, chamado de Herói Nacional (aquele do feriado de 17 de setembro), que dizia que a revolução e a mudança da nação começam pela educação dos jovens.

Mas, pensando bem, talvez seja disso que o cara da foto tenha medo... Os jovens REALMENTE podem mudar Angola. E é possível que demore um tempo, mas, por tudo que já vi aqui, eu acredito, eu sinceramente acredito, que um dia eles irão fazê-lo.

Trituradora de ossos

A maratona dos deslocamentos continuou ontem. E eu, que pensava que a pior parte já tinha passado, dei com os burros n'água.

Como o aeroporto de Luena está interditado, alugamos um carro em Saurimo e partimos para Luena no domingo de manhã. A distância entre as duas cidades é de 260km, praticamente a mesma que liga Pelotas a Porto Alegre. O preço da passagem de Pelotas a Porto é de uns R$50. A empresa pagou US$600 para o motorista que nos trouxe. Acham muito? Eu, se fosse ele, não faria nem por US$1000. Um doce para quem adivinhar em quanto tempo fizemos o trajeto! :P Dou-lhe um, dou-lhe duas, dou-lhe três. Apostas?

Pois então... Oito! Isso mesmo. Ficamos OITO horas na estrada! Saímos às 8h e chegamos às 16h. Paradas apenas para a Palmeira que vos escreve tomar Plasil. Duas vezes. Era isso ou emporcalhar o carro. Não é de se espantar: quem não consegue andar de barco viking (nem de bailarina, né mano...) sem vomitar também não conseguiria passar bem em uma estrada trituradora de ossos.


Estou com um roxão nas costas, de tanto bater na lateral do carro e também é possível que meu estômago tenha trocado de lugar com os meus pulmões... Hehehehe Sério! Vocês não têm noção do que era aquela estrada. Essa foto aí de cima é de uma das partes que estava melhorzinha. Deixo que vocês imaginem o resto.

Mas chegamos. Dizem que é o que importa, né? Só não quero pensar em como vai ser a volta. Sorte que o estoque de Plasil está cheio!

sábado, 26 de setembro de 2009

Loucura, loucura, loucura

O bom de ficar um tempão sem escrever no blog é que o cunhado lindo fica com saudades e te enche de recados! Bem bom! Hahahaha

As últimas duas semanas foram super cansativas. Muita correria, muito trabalho, muito estresse. Ficamos uma semana no Cunene, uma semana em Huíla e ontem de manhã viemos para Luanda. Chegamos no aeroporto às 10h, esperamos as malas por mais de uma hora e depois ainda enfrentamos um trânsito enlouquecedor para chegar em casa. Almocei correndo e fui direto para uma reunião que durou das 14h às 19h. Depois Cléa e eu ainda tivemos que preparar todo o material para as viagens do Moxico e de Bié. Cheguei em casa às 21h, completamente exausta. E adivinhem onde estou agora... No aeroporto!

São 7:30 da manhã. Acordei às 5:30, como tem ocorrido quase todos os dias nas últimas semanas, e estou escrevendo sentadinha no chão do aeroporto, na fila do check-in. Como o aeroporto da Província do Moxico está interditado, teremos que pegar um vôo para Saurimo, capital da Província de Lunda Sul, de onde iremos de carro para Luena, capital do Moxico. A distância é de duzentos e poucos quilômetros, mas dizem que a estrada está em péssimas condições, então é possível que a viagem dure umas cinco horas. Vamos ver... Hehehehe

Em Huíla passamos por isso diversas vezes. Uma das escolas em que fomos ficava a três horas da cidade onde estávamos. A estrada era de chão batido, cheia de subidas e descidas, além dos enormes buracos e dos animais atravessando a pista a todo momento. O carro era uma daquelas Land Cruiser antigonas, que tem lugar para o motorista e mais duas pessoas na frente. Na parte de trás tem dois bancos (que na verdade parecem mais duas tábuas) colocados um de frente para o outro, encostados na parede do carro. Três horas pra ir e três horas pra voltar. Cruel! No outro dia foi melhor: a escola ficava a só duas horas de distância... :P

Mas enfim... Não dá pra dizer que não está sendo uma experiência única! Hehehehehe

Espero que meu corpo e minha cabeça aguentem mais essas duas semanas de loucura que, na verdade, mesmo com todo a exaustão, têm tudo para ser (junto com as duas últimas) as melhores da pesquisa. Depois disso, tudo deve ficar mais calmo e burocrático. Acho que ainda vou acabar tendo saudade desses dias... :)

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Domingo em Lubango

Domingo aproveitamos o dia para passear por Lubango. Fomos a um restaurante chamado O Criador, de uma cooperativa de criadores de gado. Apesar do que tudo indica, lá não é uma churrascaria. Na verdade, a comida em si não era nenhuma maravilha, mas o lugar era ótimo.


Na ida para o restaurante conhecemos um chimapanzé super simpático, chamado Tico, que se apaixonou pela Cléa e não largava mais dela. Foi muito cômico!
Sorte que, em um momento de distração do Tico, eu consegui separar os dois por um tempinho e pude tirar uma foto com ele. Claro que ele não ficou tão feliz comigo quanto estava com ela, mas demos umas voltinhas juntos e ele ia segurando na minha mão. Um amor! Hehehehe

Saindo do restaurante fomos conhecer o Cristo Rei, que é uma cópia meio mal feita do Cristo Redentor, mas que oferece uma vista lindíssima da cidade! A escultura é relativamente pequena, se comparada com a do Rio, e a face do Cristo está bem avariada. Pelo que vi o povo vai pra lá mais para apreciar a vista mesmo. E vale a pena! :)


A cidade de Lubango fica toda cercada por morros super bonitos! Coletamos dados em uma escola que fica no pé de um desses morros. A escola não tinha as menores condições de abrigar crianças, mas o cenário (externo) era simplesmente fantástico. Assim que conseguir, coloco algumas fotos pra vocês aqui!


domingo, 20 de setembro de 2009

20 de setembro!

Ressalva importante pra começar o post: não vou entrar em discussões sobre questões históricas políticas e econômicas e blablabla a respeito do 20 de setembro.

O fato é que hoje eu acordei com um sorrisão no rosto, morrendo de vontade de ir para o Olímpico lotado, enrolada na minha bandeira do Rio Grande, e assistir uma vitória do meu Grêmio querido depois de cantar em alto e bom tom "Sirvaaaam nossas façaaaanhas de modeeelo à toda teeeerra!".


Na impossibilidade de estar de corpo presente na minha terra amada, peguei o boné que o meu gentil cunhado me "deu" e coloquei minha fitinha com as cores do RS, que a mãe fez pra mim há anos. O boné foi pra estar perto da família (ha ha), a fitinha pra fazer parte das comemorações e o chimas pra me sentir em casa.

Se estivesse aí hoje, com certeza daria umas voltas pela Redenção com a Loira e ela estaria com vergonha porque, no caminho, eu ia ficar balançando a bandeira do RS na janela do carro. Depois faríamos um belo churrasco com uma turma de amigos e iríamos para o Monumental torcer para o Grêmio querido. Saindo de lá, comeríamos um churrasquinho de gato e eu iria assistir os gols da rodada no Sportv (que, por sinal, faz uma falta danada aqui). Diver!

Pra completar a perfeição, eu iria falar com a Nana no telefone, o que não tenho feito ultimamente porque minha irmã e o meu cunhado são duas pessoas desalmadas que não me dão bola. Mas tudo bem, vou vivendo assim mesmo, vendo fotos antigas das crianças e imaginando como elas estarão hoje em dia. É um exercício para a imaginação... Hunf! Agora, por exemplo, estou pensando no Teteu e no Tuca de bombacha e na Nana e na Lívia vestidas de prenda. Que lindos! (ah! pra quem não sabe, estou falando dos meus sobrinhos fofos e amados :D)

Mas enfim... Deixem meu cunhado sem consideração pra lá. Hehehehe Aproveitem as festas por aí e se divirtam. Quando a gente está longe, faz uma falta danada! ;) Beijos gauchescos felizes a todos e a todas!

sábado, 19 de setembro de 2009

Imbondeiro

Em Angola, para onde quer que a pessoa olhe, ela vê um imbondeiro (para os brasileiros, baobá). É incrível. E lindo! São campos e campos repletos dessas árvores. Dizem que um único exemplar pode armazenar até 120 mil litros de água. Eu não sei se é verdade, mas também não duvido...os imbondeiros são gigantescos!

Terça-feira, indo para uma das escolas, tive a honra de conhecer aquele que é proclamado como o maior imbondeiro da África (foto acima). É o rei dos reis! Muito, muito, muito impressionante! A gente se sente como uma formiguinha quando está perto dele.

Agora os imbondeiros estão começando a ficar cheios de múcua, que é o fruto (ou a fruta, sei lá) deles. Em uma das escolas em que fomos, as crianças estavam se estapeando para ver quem conseguia pegar (e comer, claro) os frutos do chão. Eu pedi pra provar e achei um horror, embora tenha disfarçado bem :) Talvez o suco seja bom, mas a múcua pura é amarga que dói.

Aqui do lado está o registro desse encontro histórico: o dia em que a pequena Palmeira abraçou o imbondeiro gigante! Mazah! :D

Alguém aí enxerga um pontinho azul abraçando a árvore? Hehehehe

Rei Mandume

No feriado de quinta-feira acabamos não indo para a Namíbia porque Cléa e eu estamos sem passaporte. Como nosso visto de trabalho ainda não foi liberado, estamos viajando com um protocolo expedido pelo Ministério. Para transitar dentro do país não tem problema, mas não podemos atravessar a fronteira :(

Resolvemos, então, explorar o Cunene mesmo e fomos visitar o Memorial do Rei Mandume Ya-NDemufayo, no município de Namacunde. Mandume era rei do povo Kwanyama. Ele assumiu o trono com 23 anos e governou de 1911 a 1917, quando morreu em batalha contra os portugueses. O Rei Mandume é famoso e exaltado nacionalmente por ter lutado contra a invasão e a opressão dos colonizadores.

Em sua lápide está escrito: "Se os ingleses me procuram, eu estou aqui. E eles podem vir e montar-me um ardil, não farei o primeiro disparo. Mas eu não sou um cabrito nas mulolas, sou um homem...e lutarei até gastar a minha última bala".

O Memorial em si não tem nada demais, mas é legal conhecer um pouco da história do país. Gostei! :)

Huíla

Hoje viemos para Lubango, capital da Província da Huíla. O vôo durou apenas 30 minutos e já estamos todas confortavelmente instaladas no Grande Hotel da Huíla.

Ainda não tive muito tempo para conhecer a cidade. Todo mundo faz uma baita propaganda, mas vou confessar que, ao menos até agora, estou preferindo Ondjiva. Lubango se parece muito com Luanda: muita gente, muito barulho, muito lixo, muita confusão. Ondjiva é mais simpática e acolhedora. Mas tudo bem, mesmo com tudo isso não tenho do reclamar. Dizem que aqui tem pontos turísticos belíssimos. Talvez a gente dê uma passeada pelas redondezas amanhã.

Ah! O hotel é muito bom! Ainda melhor do que os dois do Cunene. Abro a porta do quarto e dou de cara com uma bela e convidativa piscina. Com o calor que está fazendo, meu bíquini já está querendo pular pra fora da mala! :)


Reparem na cor do céu. Aqui "em África" o sol é laranja. O pôr do sol é simplesmente espetacular. Sério! É uma coisa tão linda, mas tão linda que ainda não tive coragem de postar nenhuma foto porque as que eu tiro não fazem jus à realidade. É preciso ver pra crer.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Sala de aula

Da série "acredite se puder"



Isto é um formigueiro!

Vestígios da guerra




E, no meio do caminho, surgem os vestígios da guerra...







Onde antes imperava a morte, hoje brota a vida.

A Província de Cunene foi a mais atingida pela guerra civil.

Se em Luanda existem cemitérios de carros, aqui existem cemitérios de tanques e carcaças de casas destruídas por bombas.

O cenário é triste, mas também pode ser encarado como um fio de esperança.

É como dizem os argentinos: "Para que a gente não esqueça. Para que nunca mais aconteça".






segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Cunene

Hoje comecei minhas angolandanças pelo interior do país.

Fomos às 5h da manhã para o aeroporto. Não deu para tirar fotos porque o local é repleto de policiais, mas vocês precisavam ter visto como era o mural com a informação sobre os vôos (aquele que comunica partidas, atrasos, previsão de horários...)! Um quadro branco, de mais ou menos 1 metro quadrado, com os avisos de embarque escritos à mão, em caneta preta (e letra feia, ainda por cima). Quase me mijei rindo.

Bom, chegando lá fomos informadas de que o vôo para o qual tínhamos comprado as passagens estava lotado. O pânico foi geral porque nosso cronograma de campo está ultra-hiper-mega-super apertado. A coordenadora do projeto ficou correndo de um lado para o outro buscando informações, enquanto a branquinha aqui era alvo de olhares brabos e desconfiados da turba que também havia ficado de fora do vôo e que gritava, ensandecida, com as passagens na mão. Detalhe: enquanto a coordenadora corria dizendo para deus e o mundo que precisávamos embarcar, eu e a outra pesquisadora arrastávamos cinco malas pelo aeroporto lotado, pedindo licença para os outros passageiros em potencial. Passageiros esses que, diga-se de passagem, já estavam ficando furiosos ao nos verem tentando embarcar no mesmo vôo em que eles não haviam conseguido vaga.

Mas enfim... Não sei como aconteceu, mas nos minutos seguintes estávamos as três sentadinhas no ônibus que levava até o avião. Enquanto isso, três angolanas que também conseguiram embarcar no ônibus, gritavam para quem quisesse ouvir que tem gente que não respeita fila e que é um absurdo privilegiarem algumas pessoas em detrimento de outras. Sim, ela estava falando da gente. E, sim, ela tinha razão... Ficamos olhando para o teto, fingindo que não entendíamos o idioma :P

O vôo foi super tranquilo e durou cerca de 70 minutos. A Província do Cunene fica na fronteira com a Namíbia. Ondjiva, a capital da Província, é uma cidade muito simpática. O trânsito é maravilhoso e o maior problema é mesmo a poeira. É iacreditável a quantidade de poeira que tem por aqui. No mais, por algum problema logístico não conseguimos vaga no hotel em que planejamos ficar, então viemos para outro, que fica logo ao lado do primeiro. Ambos são muito agradáveis. Estou sozinha em um quarto grande, com duas camas de solteiro, um banheiro (que tem água!), ar condicionado (graças a deus!), televisão, escrivaninha e frigobar. O calor na cidade é infernal. Uma piscininha cairia muito bem por aqui... Na verdade o hotel até tem uma, mas, pelo estado em que ela se encontra, deve estar há alguns anos em manutenção. A parte legal é que os pavões andam soltos pelo terreno do hotel. Também tem uma gaiola com dois macacos (que têm as "bolas" azuis...muito estranho) e outra com vários patos narigudos. Me identifiquei! Hahahahaha

Quinta-feira é feriado nacional em Angola: Dia do Herói Nacional. Talvez aproveitemos a folga para conhecer a Namíbia. Seria legal! Mas essa ainda é apenas uma possibilidade. Assim que souber quais são os planos concretos, aviso vocês! ;)

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Escola, mas pode chamar de circo dos horrores

Ontem começamos a coleta dos dados da pesquisa. Para quem não sabe, estou participando de um estudo denominado Escolas Amigas da Criança, uma parceria do Ministério da Educação de Angola com o UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância).

O objetivo da pesquisa é fazer um diagnóstico situacional de 15 escolas, distribuídas em 5 Províncias do país. A partir desse diagnóstico, e da fala de crianças, pais, professores(as), funcionários(as), diretores(as) e membros da comunidade, vamos traçar um modelo de escola amiga da criança em Angola e propor um planejamento de ações para que ele seja implementado no país.

Mais do que para explicar o trabalho, esse post é para compartilhar com vocês um pouco do que eu vi e ouvi hoje. Caso alguém se confunda, o relato que segue não diz respeito a um campo de concentração, e sim a uma escola. As imagens que ilustram o texto foram gentilmente cedidas pelas crianças participantes.

O menino ao lado está demonstrando um dos métodos mais comuns de castigo utilizados pelos professores no país. A criança vai até a frente da sala, se ajoelha e abre os braços, segurando uma pedra grande em cada mão. Ela joga a cabeça para trás e tem que ficar nessa posição por cerca de meia hora. "E como vocês se sentem?" "Dói e cansa". "Quando é que o professor dá esse tipo de castigo?" "Quando a gente conversa".

As crianças não têm dinheiro para lanchar e a escola não oferece merenda. Em contrapartida, alguns professores pedem dinheiro para o transporte ou mesmo para comprar cerveja. "E o que acontece com quem não dá?" "Apanha mais forte depois". Se a criança erra uma conta durante a aula de matemática ou não consegue ler um texto, apanha com palmatória. Inicialmente são 10 pancadas. Se tentar tirar a mão, mesmo que por reflexo, viram 20.

Quando não está em ação a palmatória, entra em cena a Maria das Dores, apelido dado ao simpático pedaço de madeira que a menina segura na foto ao lado, imitando o professor. O sorriso foi de brinde.
"E quem já apanhou com a Maria das Dores?" (mais da metade do grupo levanta o braço).
Detalhe: não pode chorar. Quem chora, apanha mais.
A diferença da Maria das Dores para a palmatória é que a gentil Maria não se limita às mãos, mas também contempla braços, pernas e costas. Na falta dela, podem ser utilizadas mangueiras ou fios elétricos.
Ah! E também não pode contar nada para os pais ou para o diretor, sob pena de sofrer as devidas consequências no corpo e na nota.

Uma criança dormiu em sala de aula? Sem problemas. É só jogar água no ouvido dela.
Um menino está com o cabelo comprido demais para o seu gosto, caro professor? A solução também é fácil: pegue uma tesoura e corte o cabelo dele. Não é preciso nem sequer pedir permissão.
Uma menina está incomodando? Agarre-a pelas tranças e sacuda a cabeça dela.

E, por fim, uma tort..., ops, um artifício tão simples, e ao mesmo tempo tão elaborado, que não foi compreendido até que o menino ao lado o demonstrasse.
Você coloca um lápis entre cada dedo, junta as mãos e as apóia na mesa. O professor bate, de cima pra baixo, nas suas mãos, com força suficiente para quebrar os quatro lápis.
Quem quiser pode fazer em casa para testar. Duvido que alguém consiga fazer com que os lápis quebrem. Depois vocês me contam.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Coleta de dados

Chegou a hora de sair do escritório e colocar a mão na massa!
Depois de um longo, e por vezes doloroso, processo de elaboração dos instrumentos da pesquisa, amanhã vamos finalmente iniciar a coleta de dados :)

Esta semana iremos a três escolas da Província de Luanda, uma em cada município. Amanhã iremos a Cacuaco, quarta a Viana, e quinta a Kilamba Kiaxi. Mas a correria vai pegar mesmo a partir de domingo, quando comerçaremos a viajar para as outras Províncias. O roteiro é o seguinte:

13 a 18/09: Cunene
19 a 25/09: Moxico
26/09: Luanda
27/09 a 02/10: Bié
03 a 09/10: Huíla
10/10: Luanda, FINALMENTE!

Talvez fique um pouco mais complicado para manter o blog atualizado durante a semana, mas prometo que vou me esforçar! É possível que seja mais fácil tirar fotos nas Províncias, então fiquem atentos! :D

Hasta la vista, povo!

domingo, 6 de setembro de 2009

Calúnia!

Eu nem ia me pronunciar, mas depois de ler tantos comentários me difamando, não consegui ficar quieta. A quem interessar possa, aqui em casa tem empregada, sim, mas ela NÃO arruma os quartos! A coitada da Paula é tão porca que eu, assim como as outras moradoras, prefiro manter o quarto trancado pra que ela não caia na tentação de tentar arrumá-lo.

Pra quem não sabe, faz um tempão que eu não sou mais tããão desorganizada assim. Vocês são um bando de caluniadores!! Afff! Meu quarto angolano pode até não ser um primor de limpeza, já que só tenho tempo de limpá-lo no fim de semana, mas é bem organizado! As gurias até riem de mim aqui em casa porque meu armário é todo arrumadinho. Tem a pilha das camisetas, a das bermudas, a dos pijamas... E as outras coisas ficam bem arrumadinhas em uma das prateleiras. O único lugar do quarto que é bagunçado é a gaveta das roupas sujas, mas ela fica sempre fechada, então nem dá pra ver.

Na verdade, essa é a única participação da Paula no processo de limpeza. Ela é a responsável por lavar as roupas, com exceção das calcinhas e meias. Isso sim tem sido um problema porque, além de eu não ser muito fã de lavar roupa, aqui ainda tem o detalhe básico da escassez de água. Um dia desses, pra variar, quase fiquei sem meias. E depois a Loira ainda queria me convencer de que 20 pares era exagero. Que nada! Hehehehe

Outra coisa ruim é que as roupas têm que secar dentro de casa porque fora é muito empoeirado. Isso acaba tornando o processo de secagem super demorado. Com as meias, então, é um problemão porque, se bobear, elas ficam com cheiro de cachorro molhado. Acho que essa função toda tende a melhorar nos próximos dias, pois estamos no fim do cacimbo (inverno) e o calor está começando a fazer jus à fama. Dizem que a tendência é isso aqui virar um forno. O lado bom é que as roupas vão secar mais rápido. O ruim é que vou ter que lavar mais roupa. Sacco...

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

O meu cantinho

Hoje finalmente consegui pendurar o meu mural de fotos na parede do quarto. Antigamente ele ficava migrando do chão para a cama, da cama para o chão. Hoje me revoltei e coloquei ele na parede com fita adesiva mesmo. Não sei quanto tempo vai durar, então, pra comemorar enquanto posso, resolvi apresentar o meu simpático cantinho pra vocês!

Embora o apartamento todo seja muito bom e eu goste bastante de ficar na sala, o quarto é o lugar onde passo a maior parte do tempo quando estou em casa. Existem duas razões básicas para isso: a primeira é que de noite o apartamento (com exceção dos quartos, que estão sempre fechados) fica repleto de muriçocas, uns mosquitos danados e sanguinários que adoram picar pobres inocentes como eu. A segunda, e mais importante, é que, quando estou no quarto, me sinto verdadeiramente em casa. O quarto é o meu mundinho particular: lá, onde quer que eu olhe, estão meus amigos, minha família, a Loira, a Nana, o chimarrão, o Grêmio querido... É muito acolhedor! :)

Na verdade, a única coisa que realmente faz falta por aqui é uma escrivaninha. Na ausência dela, acabo tendo que ficar com o computador no colo, como estou fazendo agora. De resto, o quarto é perfeito. As minhas roupas e guloseimas contrabandeadas cabem todas no guarda-roupa e ainda posso espalhar o restante da bagunça em uma cômoda, que abriga meus tênis, uma pequena farmácia (que tem sido muito útil nesses últimos dias) e algumas roupas de cama. Tenho até ar condicionado, o que é uma benção tanto contra os mosquitos quanto contra o calor.

No fim das contas, o meu quarto é muito confortável e aconchegante. Acho que ter esse cantinho está sendo fundamental para me manter feliz e com a saudade de casa em um nível aceitável :) Só quero ver se esse bem estar todo dura até a minha primeira TPM em solo angolano, que, por sinal, se aproxima a passos largos. Mas, bem, essas são cenas dos próximos capítulos...

Os Simpsons angolanos


Para promover a estréia do desenho Os Simpsons em Angola, uma agência de publicidade local teve a brilhante sacada de dar uma repaginada na família. O desenho será transmitido pela DSTV Bué e a peça publicitária foi um meio que eles encontraram para aproximar a simpática família de seus novos telespectadores. Até a cerveja do Homer ganhou cara nova e ficou semelhante à Cuca, famosa ceva angolana que eu ainda não tive o prazer de experimentar.

As roupas ficaram um arraso e eu, particularmente, adorei os cabelos da Lisa e da Maggie! Quem sabe não me inspiro nelas na minha volta ao Brasil?! Quem viver, verá! :D