quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Escola, mas pode chamar de circo dos horrores

Ontem começamos a coleta dos dados da pesquisa. Para quem não sabe, estou participando de um estudo denominado Escolas Amigas da Criança, uma parceria do Ministério da Educação de Angola com o UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância).

O objetivo da pesquisa é fazer um diagnóstico situacional de 15 escolas, distribuídas em 5 Províncias do país. A partir desse diagnóstico, e da fala de crianças, pais, professores(as), funcionários(as), diretores(as) e membros da comunidade, vamos traçar um modelo de escola amiga da criança em Angola e propor um planejamento de ações para que ele seja implementado no país.

Mais do que para explicar o trabalho, esse post é para compartilhar com vocês um pouco do que eu vi e ouvi hoje. Caso alguém se confunda, o relato que segue não diz respeito a um campo de concentração, e sim a uma escola. As imagens que ilustram o texto foram gentilmente cedidas pelas crianças participantes.

O menino ao lado está demonstrando um dos métodos mais comuns de castigo utilizados pelos professores no país. A criança vai até a frente da sala, se ajoelha e abre os braços, segurando uma pedra grande em cada mão. Ela joga a cabeça para trás e tem que ficar nessa posição por cerca de meia hora. "E como vocês se sentem?" "Dói e cansa". "Quando é que o professor dá esse tipo de castigo?" "Quando a gente conversa".

As crianças não têm dinheiro para lanchar e a escola não oferece merenda. Em contrapartida, alguns professores pedem dinheiro para o transporte ou mesmo para comprar cerveja. "E o que acontece com quem não dá?" "Apanha mais forte depois". Se a criança erra uma conta durante a aula de matemática ou não consegue ler um texto, apanha com palmatória. Inicialmente são 10 pancadas. Se tentar tirar a mão, mesmo que por reflexo, viram 20.

Quando não está em ação a palmatória, entra em cena a Maria das Dores, apelido dado ao simpático pedaço de madeira que a menina segura na foto ao lado, imitando o professor. O sorriso foi de brinde.
"E quem já apanhou com a Maria das Dores?" (mais da metade do grupo levanta o braço).
Detalhe: não pode chorar. Quem chora, apanha mais.
A diferença da Maria das Dores para a palmatória é que a gentil Maria não se limita às mãos, mas também contempla braços, pernas e costas. Na falta dela, podem ser utilizadas mangueiras ou fios elétricos.
Ah! E também não pode contar nada para os pais ou para o diretor, sob pena de sofrer as devidas consequências no corpo e na nota.

Uma criança dormiu em sala de aula? Sem problemas. É só jogar água no ouvido dela.
Um menino está com o cabelo comprido demais para o seu gosto, caro professor? A solução também é fácil: pegue uma tesoura e corte o cabelo dele. Não é preciso nem sequer pedir permissão.
Uma menina está incomodando? Agarre-a pelas tranças e sacuda a cabeça dela.

E, por fim, uma tort..., ops, um artifício tão simples, e ao mesmo tempo tão elaborado, que não foi compreendido até que o menino ao lado o demonstrasse.
Você coloca um lápis entre cada dedo, junta as mãos e as apóia na mesa. O professor bate, de cima pra baixo, nas suas mãos, com força suficiente para quebrar os quatro lápis.
Quem quiser pode fazer em casa para testar. Duvido que alguém consiga fazer com que os lápis quebrem. Depois vocês me contam.

13 comentários:

  1. Ai... Que prazer se deve ter em aprender... Que horror!!
    Espero que tu visite escolas melhores também... Porque se todas escolas forem nesse estilo, tu não volta nunca mais, porque teria que fazer O projeto pra melhorar isso!

    ResponderExcluir
  2. Tratando o futuro assim o tal "mundo melhor" fica distante e praticamente impossível!!
    Como uma criança com esses tratamentos vai conseguir se "desinserir" desse ambiente? Estabelecer outros vínculos cerebrais de estímulo?! Que horror Biba!!
    Teu trabalho será de extrema valia!!Tu vais ajudar a plantar uma sementinha... e eu vou mandar minhas boas energias daqui pra ti!!
    Beeeeeijo minha "ídala"!!

    ResponderExcluir
  3. Como dizem na França: "Third World..."

    ResponderExcluir
  4. Puxa filha, não há palavras capazes de expressarem o que estou sentindo. Tu fizeste uma viagem no tempo e retrocedeste para mais de um século. Eu vi mãe, lá pelos meus 14 anos, que dizia amar muito os filhos e que batia neles com tamancos de madeira, cabo de vassoura, relho de couro trançado ou qualquer outra coisa que tivesse às mãos e isso em qualquer parte do corpo, inclusive cabeça, onde pegasse... Na escola nunca assisti nada no gênero, mas ouvi contar coisas que aconteciam no século anterior, 1870, por aí, que tem os ingredientes do que presenciaste. As torturas submetidas aos escravos eram bárbaras, aplicadas por gente bárbara e deste modo avançavam pela escola com a naturalidade de coisa normal.Os "professores" de Angola foram criados assim, nem sabem que se po de agir de modo diferente, e as crianças, pobres crianças, estão aprendendo como as crianças deverão ser tratadas quando as de agora forem professores. Nessa seara nenhum projeto salvará essas crianças se não se ocupar séria e eficientemente para uma mudança de conduta dos "educadores". Essa é uma tarefa hercúlea e bota Hércules nisso...

    ResponderExcluir
  5. Ih! Bibi. Demorei um bocado pra comentar seu post, meio que deglutindo suas palavras, seus comentários sobre essa visão dos infernos. Pois olhe, lá pelos anos 1960, mais da metade do século XX, portanto, eu estudava o primário, parte em Irituia, parte em Belém e me lembro muito bem de que pelo menos tabuada e geografia (através de cartografia, mapas em branco) eram com palmatória que se aprendia. Um pouquinho mais cruel que essa da foto, pois adornada com furos de mais ou menos um centímetro de diâmetro para provocar o “efeito ventosa”. Era na porrada mesmo, que a coisa ia. E ai de quem chegasse sem todos os itens na ponta da língua!... muitos de nós além da mão doendo, a alma também doía pela vergonha de ver a urina perna abaixo. Não raro tínhamos que nos ajoelhar em cima de grãos de milho e olhando pra parede... isso dependia muito do comportamento. Aqui no sul seu pai fala dessas práticas lá pelo séc. XIX e lá...
    Acho que minha filha começou a entrar no terreno que eu lhe dizia ainda aqui, lá vai ser duro, mas você vai em frente. São essas criaturas que você viu que vão servir de estímulo para você continuar. A luta continua, companheira! Beijos da mamãe

    ResponderExcluir
  6. chocante... eu imaginava falta de recurso total, desorganização, mas não violência... que triste... e as crianças, parecem tão queridinhas, até fizeram pose para tirar foto... Tenho certeza que elas vão te impulsionar a continuar essa pesquisa, e fazer dela um passo importante na transformação desse quadro.
    Mais uma vez parabéns pela tua coragem, vai fundo! Estamos torcendo e orgulhosos!

    ResponderExcluir
  7. Nossa, Palmeira... Tô chocada com este post... Inacreditável! Lamnetável! Sem palavras!
    Beijos!

    ResponderExcluir
  8. Airi, é o Zé.

    Ia te postar um comentário, mas ficou grande. Mandei por e-mail.
    Beijo

    ResponderExcluir
  9. Tudo na vida tem mesmo uma razão! Tudo isto te faz ainda mais responsável! Te dás conta do que tens que fazer por aí? E estás fazendo! Esta denúncia contra os direitos das crianças grita muito alto no coração da gente!

    ResponderExcluir
  10. Estou chocada!!! Dói muito saber disso!!!

    ResponderExcluir
  11. Bah, é mesmo uma pena que ainda tenhamos esse "mundo" dentro do "nosso mundo". Mas essa é a realidade, né? Temos que lutar contra isso!! Fico MUITO orgulhosa de ter uma amiga que está querendo fazer a diferença e foi aí "bisbilhotar" o que está acontecendo e mostrar pra gente que a vida não é só futs, churras e risadas... Morena, coleta direitinho esses dados pra gente fazer "aquela" dissertação que eu tenho certeza que vai colaborar para mudar, pelo menos um pouquinho, essa realidade!! Beijos com saudades, Tchuca.

    ResponderExcluir
  12. Como te disse vou voltar ao assunto. Tua mãe foi ótima na colocação, nos fazendo ver que aquilo que não presenciei no RS, e só soube por ouvir contar, ela viveu em carne e osso lá no Pará,no início dos anos 60. Como é que isso pode ocorrer se estamos no mesmo Brasil? Simples, o Brasil não se conhecia. Se na época tivéssemos meios de comunicação como hoje os temos, essa barbaridade teria sido denunciada, reverberada e interrompida. Daí me vem a idéia de como poderias proceder em Angola. Precisas ter um belo documentário de crianças bem tratadas em escolas, com professores carinhosos e amigos, e mostrar aos "professores" daí que isso é possível, que eles podem ser assim, que devem ser assim e que se o fizerem vão receber aplausos do mundo inteiro, que viverão uma experiência maravilhosa, que servirão de exemplo como os melhores professores de Angola. Com açúcar e com afeto se vai longe... Quem sabe?

    ResponderExcluir