Quando ficou definido que eu realmente viria para Angola, comecei a procurar informações sobre o país na internet. Fiquei sabendo sobre a guerra, sobre as minas terrestres, sobre a falta de água e de saneamento básico, sobre o altíssimo custo de vida. O quadro não foi dos mais animadores, mas em nenhum momento me fez pensar em deixar de vir.
Até que encontrei uma foto na wikipédia que fez o meu estômago dar duas voltas e, depois, parar de cabeça pra baixo:
Eu olhei para essa imagem e pensei: "meu deus do céu, que lugar é esse?!". Meu primeiro impulso foi pensar: "no way". O segundo foi ficar desesperada. O terceiro foi controlar os nervos e trazer os pés de volta pra terra. O quarto foi dizer: "eu vou".
A lógica que me orientou é simples: se eu vejo uma coisa dessas e penso em não ir é porque algo está muito errado comigo.
Os dias seguintes a esse primeiro impacto foram de uma certa ambiguidade. Ao mesmo tempo em que eu pensava na foto para ter certeza de que estava fazendo a coisa certa, tentava esquecê-la porque ela gerava uma ansiedade danada em mim. Confesso que, durante esses dias, várias vezes me questionei em segredo se eu tinha duas coisas essenciais para a viagem: estômago para encarar de frente a realidade que me aguardava e competência para fazer algo por essas crianças.
Ao chegar aqui, esqueci do retrato e dos questionamentos. Esqueci completamente. Fiquei tão compenetrada no que estava vendo e vivendo que não pensei mais nas crianças da sala de aula aí acima. Pensei em outras, mas não nessas.
Até que, semana passada, procurando uns arquivos no computador, me deparei novamente com a foto. Foi uma sensação estranhíssima. Ao mesmo tempo em que lembrei de todo aquele espanto que senti na primeira vez em que a vi, olhei para o curioso retrato e percebi que ele poderia ter sido clicado em qualquer uma das escolas que visitei, em qualquer um dos lugares por onde andei. Encontrei rostos conhecidos em um cenário deveras familiar.
E foi como se a foto se desdobrasse em duas: a do antes e a do depois. Assim como também eu me desdobro em duas: a do antes e a do depois.
Realmente há coisas que não se justificam. Deveria parar de escrever por aqui para não ver meu comment deletado. Será que a foto acima não existe apenas pela apatia e pelo contentamento simples de um povo sem vontade de mudar? o que leva a invariável maioria dos povos africanos a pegar em armas (e enriquecer os traficantes destas) e apenas oprimirem aos seus semelhantes? Qual o real objetivo de apenas uma minoria (muito minoria mesmo) ter acesso a possibilidades e a imensa maioria, talvez akela que pegou em armas, sequer à água limpa consegue chegar? Qual o motivo verdadeiro de mudar o 'cara da foto' de 30 em 30 anos mas a mentalidade coletiva continuar a mesma? Te parabenizo cunhada amada, por veres esperança e pensar em mudança em um lugar como este. Mesmo que eu não viva isso na pele, acompanho pela TV et Cia. e confirmo minha opinião aki pelos teus posts. te parabenizo por não veres nisso tudo uma imensa perda de tempo em um lugar a ser esquecido. Não vejo poesia no que me mostras e não venho aqui fazer piadas nas minhas palavras, principalmente quanto a situações que podem ser mudadas mas que em virtude da própria sociedade e do povo que sofre com isso, não mudará. Vejo o sentido sociológico e político de terem cabelo assim ou assado, de cantarem isso ou aquilo - que de fato podem ter um impacto risível para nós. Entretanto somente refletem o atraso a pobreza e a condição de acomodação do povo, oprimido - sim - mas sem ânimo de mudança. Pegar em armas ou cortar braços com facões é muito fácil e chama atenção, como já te disse 'alimenta a mídia'. O difícil é lutar por reais mudanças, lutar por educação e progresso, por partilha e justiça. Fica com Deus e alimenta bastante tua visão de mudança, de pessoas assim é que precisamos.
ResponderExcluirÉ verdade, a gente muda as coisas na nossa volta e é mudado também... Esse blog nos faz filosofar mais que o usual... E eu gosto! :D
ResponderExcluirAiri querida, tenho aprendido um monte com tuas partilhas e me orgulho bastante em saber que estás vivenciando tudo isso. Que baita seis meses esses em tua vida, hein???!!Vamos em frente minha querida! Aqui em casa moro com uma moçambicana que já perdeu muitaaaaaa gente querida nas guerras por aí... ela não consegue sequer escutar barulho de fogos estourando, pois logo recorda do sofrimento que sentiu na pele. De certa forma, conviver com ela me faz lembrar sempre de ti e do que estás experimentando. Vai em frente, amada! Sempre em frente.. que o amor te impulsione sempre!Vai por ti, por nós aqui e, sobretudo, pelos que mais sofrem e precisam de nós! Abraços bem apertadinhosssss e com muito carinho.
ResponderExcluirFico feliz em saber que ainda aí já te deste conta que te desdobraste em duas: a do antes e a do agora (ainda não do depois). A cada dia te depararás com novas revelações, pouco a pouco irás travar mais relacionamentos contigo própria, certamente um estado de inquietação, e logo restarás inteira, com um novo brilho e mais determinação. Respira fundo, ainda há muito por fazer e sempre te sentirás apta para tanto.Beijos
ResponderExcluirEm nenhum momento achei que irias dar as costas e desistir da empreitada! É duro, é forte, é difícil, mas é principalmente muito recompensador! O aprendizado é grande e a tua visão de mundo será outra a partir de agora!
ResponderExcluirParabéns! :)
F ico O rgulhoso, D izendo A bra - S eu E spírito. Sou egoísta e assumo.
ResponderExcluirquerida, que belo relato. lawrence
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